JÔ A SUBMERGENTE
 


Joana estava num plano inferior. O braço do homem, erguido como um mastro fétido infestava todo o circular. Contrariada ela tenta afastar-se ,porém naquele horário seria uma tentativa praticamente inútil. Mesmo assim, Jô arrisca. Desloca-se dois passos à direita e esbarra no traseiro do homem gordo que toma quase todo o corredor. Sem alternativa ,fica ali mesmo espremendo-se como uma lagartixa.
Para distrair tenta esquecer sua triste viravolta de vida ouvindo a conversa de passageiros ,que reclamam da crise , de doença ou riem de alguma coisa. Mais gente entra no circular .O motorista grita: um passinho à frente ,por favor.
Como? Se o corredor está superlotado?
Mas pobre é solidário ,espremem mais ainda e o milagre acontece. Sacolas,embrulhos , mochilas se esbarram em Jô. Ela não reclama .Estão todos na mesma situação.
Quando todos se acomodam como podem. Ouve uma voz conhecida , vira-se e...
- Nossa! Não é que é tu mesmo Jô , tu andando de circular ,mulher? Separou daquele seu marido ruim? Deve ter ficado com tudo.Oh! Meu Deus pra quem tinha três carros na garagem aquela casa linda. Eu gostava de trabalhar pra você. Boa patroa. Jô silencia.Sabe que dona Lindaura não vai parar de falar.
-E seus filhos como estão? Pobre Jô, pra quem tinha de um tudo.Ainda bem que suas roupas continuam boas.Mas até quando, mulher?
Respostas monossílabidas tentam colocar fim a conversa.Sem sucesso Jô afasta-se fingindo que vai descer no próximo ponto. A velha então cala-se mas continua espiando o ponto em que Jô vai descer.
Mas quem desce antes é a velha. Jô suspira quase feliz. Acomodada e livre da torturadora, abre a bolsa pois lembrou que tem uma conta a pagar. Atende o celular.É o filho avisando que precisa comprar uma apostila do cursinho.Joana responde :
-Está bem, vou dar um jeito.
Revisa as contas ,pensando em qual poderá atrasar para poder comprar a apostilha. Pensa com tristeza que o concurso que foi aprovada está demorando muito para ser chamada.Seria a solução de tudo.Mas depende do governo. Pensar que foi classificada em segundo lugar! E nada.
JÔ mentalmente repete seu mantra “ DEUS É FIEL” Mas Joana às vezes briga com DEUS,questiona:
-OH,queria ter aquela fé cega, mas sou humana também, sofrer dói e esse tempo de DEUS está ficando tão distante da minha urgência. Pede perdão em seguida. Lembra de Jó, o da bíblia ,que perdeu tudo , ficou doente , mas DEUS o recompensou provendo todas suas necessidades e dando-llhe muitos mais bens.
Pede perdão a DEUS. Abre novamente a bolsa , passa um batom vermelho e desce para pagar sua fatura.
Quase anoitecendo, outro ônibus e finalmente Jô chega em casa .Os três filhos a esperam .Jô prepara o jantar , ainda há roupas para lavar e mais afazeres da casa . Um dos filhos pede ajuda numa lição.Joana para tudo e vai ajudá-lo.Sabe que a educação é o futuro de seus filhos .O mais velho estuda muito para entrar numa universidade pública.Tudo dará Certo. Jô repete :
‘Tudo posso Naquele que me fortalece”.. O filho de sete anos repete sem entender muito.
Não sabe direito o que diz , mas se a mamãe falou é bom.
JÔ sorri para o menino e pensa .Ainda tenho meus tesouros – meus filhos .
É vida que segue. Amanhã é um novo dia quem sabe , um dia melhor.
Novo dia de trabalho , correria com os filhos. Lembra da conversa com D.Lindaura.
Promete a si mesma que vai virar a página. Não há mal que sempre dure. Logo será chamada no concurso e terá sua vida de volta.