Meu vizinho, o presídio

De uns tempos para cá, um nicho específico de mercado tem crescido sobremaneira em Pinhais, qual seja, o de encarceramento de figuras políticas envolvidas em escândalo de corrupção. Não toda e qualquer figura política, mas apenas aquelas que, no decorrer do processo, comprovaram sofrer de algum problema de saúde. Lamentavelmente, parece que os problemas de saúde acometem com inexplicável obstinação as figuras políticas envolvidas em escândalos de corrupção, donde resulta que um grande número deles é mesmo destinado a Pinhais. Não é para me gabar, mas aqui já esteve o José Dirceu, e ainda está lá o Eduardo Cunha, que recentemente recebeu um novo companheiro, Sérgio Cabral. Caso prendam o ex-presidente Lula, também será em Pinhais que ele verá o sol nascer quadrado, ou, por outra, não verá sol nenhum, porque aqui só a chuva é permanente.

A propósito, às vezes ainda fico assombrado ao me dar conta que estou sujeito às mesmas condições climáticas que os presos da Lava Jato, e mais de uma vez, em meus delírios persecutórios, desejei que isso não pesasse contra mim em algum escândalo que eu, por ventura, venha a me envolver. Sempre achamos que essas pessoas são muito diferentes de nós, mas estou certo que, ao olhar pela janela da sua prisão, o Cunha faz a mesmíssima exclamação que eu, isto é, “Porra, mas tá chovendo de novo?”. Ele fica sem o seu banho de sol, e eu não posso sair de bicicleta.

Já pedalei por Pinhais inteira, o que também não significa muita coisa, considerando que esta é a menor cidade do Paraná, razão que, por certo, não escapou aos visionários que ergueram o Complexo Médico Penal: “Dos males, o menor”. Seja dito em meu favor, todavia, que eu não tenho o costume de pedalar na rua do presídio, não tanto porque me cause alguma repugnância moral, mas porque ela é muito afastada e, ademais, não leva a lugar nenhum. A rua do presídio é uma rua sem saída – e de certo vai aí uma preciosa lição filosófica, que outro poderá desenvolver em meu lugar. Mas existem casas na rua, porque a especulação imobiliária não poupa nada.

Para chegar-se lá, é preciso seguir pela Estrada da Graciosa, chamada assim há muito tempo, de tal sorte que não há nenhuma ironia. Há condomínios de luxo no caminho, aquele tal de Alphaville, que é um mundo à parte pairando sobre nossa atmosfera. Depois as construções rareiam e as árvores tomam conta das laterais da rua. Segue-se adiante até chegar a uma estrada lateral com um curioso pórtico de madeira, que só levemente lembra uma guilhotina. Aí é só seguir toda vida reto (isso é maneira de dizer, uma hora o sujeito vai ter que virar, do contrário cairá dentro da Represa do Iraí, pois também a água está presa ali, embora por motivos muito mais nobres).

Ainda não há muitas placas, o que se entende por ser recente a inclusão do presídio no roteiro do turismo prisional. Já se pode dizer, entretanto, que é ele, e não o autódromo, o responsável por colocar a cidade de Pinhais no noticiário nacional. Se alguém quiser gravar um vídeo para a campanha “Que Brasil você quer para o futuro?”, da Rede Globo, pode muito bem fazer em frente ao presídio – mas não se esqueça de deixar o celular deitado, na horizontal.

Parece que lá dentro também há certas regalias para os presos famosos, como serviços de podóloga e uso de bicicletas ergométricas. Nada, no entanto, me causa mais inveja do que o serviço de produção de resenhas de obras literárias para redução da pena. Já disse em outra ocasião que, se tudo o mais falhar, eu vou preso, apenas para ter tempo de ler e escrever. E tanto melhor se for aqui perto de casa. Só terei que comprovar algum problema de saúde. Imagino que não seja tão difícil. Afinal, terei todas essas crônicas como um firme testemunho dos meus transtornos.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 18/02/2018
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