Fé, a única coisa que restou...
 
É visível o aumento de andarilhos que chegam à cidade. Se não é que é assustador deparar com a dura realidade alheia...
Debaixo das marquises, durante o dia esperam migalhas, durante a noite fogem da realidade procurando dormir.
 
E você em seu recanto privilegiado, protegido em sua sala, sobre o seu macio e quente colchão, resguardado em seu quarto reduz tudo a uma simples observação:
 
- São drogados!
 
Mas a História é outra! Uma coisa é ser herdeiro de bens que possibilitaram estudo, trabalho, emprego, boa mesa e cobertas felpudas... ou ar condicionado, ventilador. Outra coisa é ser herdeiro de andanças pelo mundo para ludibriar a fome, a miséria, a falta de teto e criar fé para sobreviver.
 
Réus  ou  vítimas de um contexto histórico?  Alienação cultural  ou marginalização social?
 
Em Barbacena é cada vez maior o número de gente que chega com seus trapos nas costas, se esparramam pelo chão, e invadem as calçadas com seus maus cheiros de gente. São gentes como a gente. Enquanto nos higienizamos para parecermos mais humanos, eles nada têm além de seus odores  de Homo sapiens sapiens. Será que eles sabem de sua realidade? Será que nós queremos saber deles? Quando eu os vejo lembro muito do seriado “Walking Dead”, que interpreto como metáfora desta realidade pós-moderna.
 
De onde eles vêm?
 
Ao trafegar na rodovia que liga Barbacena a Juiz de Fora já vi muitos bandos de gente que cansadas de andar descansam em pontos isolados da rodovia. Estão vindo do Rio de Janeiro?
 
Para onde eles vão?
 
Há muito tempo a cidade deixou de ser “A Princesa das Alterosas”, “A Cidade das Rosas” e mesmo “A Cidade dos Loucos”. Parece ter se tornado a cidade dos que caminham sem destino.
 
Há alguns meses vi um destes em uma cena  que chegou a beirar o cômico. Ao lado da Matriz aquela mulher marcou ali seu território com um colchão, colchas encardidas e uma vassoura que postava ao seu lado. Neste dia ela arrumou tudo: colchas esticadas sobre o colchão, vassoura ao lado e para marcar sua posse pôs um par de chinelos velhos sobre a arrumação. Veio um cachorro engordado pela “Proteção aos Animais” e pegou um dos chinelos saindo correndo. Outros cães o seguiram procurando lhe tomar a prenda que roubara da ausente e magricela proprietária humana.
 
Ao vir para casa em uma destas noites chuvosas, vi que na frente daquele estabelecimento que faliu dormia debaixo da marquise aproveitando o píer de madeira um destes andarilhos. A única coisa visível era sua cabeleira grisalha. Passei. No dia seguinte ao eu passar pelo mesmo lugar lá estava arrumada as suas tralhas. E guardando tudo uma imagem de Senhora Aparecida. Aproveitei a ausência do infeliz para fotografar aquela dura realidade. Mal pude me aproximar devido o forte odor que exalava.
 
Saí logo ao executar a tarefa de registrar em fotografia aquilo que vi.  Seguiu-me solilóquios e espantos:
Fé  é a única coisa que restou a este pobre e solitário semelhante.
 
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 22/02/2017
 
 
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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 22/02/2018
Reeditado em 22/02/2018
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