O Guerreiro Abatido

Mal começava a noite e Claudionor, o Nonô, já estava com formigamento nos pés. Não que eles estivessem sob iminente adormecimento. Pelo contrário, estavam era doidos para cair na gandaia, arrastando-se pelos salões que a cidade oferecia. Mas a sensação de bichinhos picando-lhe os pés curiosamente só experimentava de segunda a quinta. Isso mesmo!... No meio da semana! Inconscientemente ele seguia a filosofia do amigo Albuquerque, o Quequé, que observava: noites de sexta e sábado são para amadores; o domingo para a patroa e o resto da semana pra se esparramar por aí! E Quequé acrescentava: ao sair no meio de amadores só vai encontrar japonês e bancários de gravata batendo copos no tim-tim.

O conselho do amigo tinha mais uma vantagem: proporcionava ambiente conjugal sólido e duradouro. Afinal, o Nonô para ver o tempo passar, passava a noite de sexta vendo as fitas alugadas na videolocadora; no sábado, pizza e canastra com os compadres Pachecão e Lindomar... e o domingo reservava para visitar a sogra. Ali se esbaldava no macarrão, frango e maionese e sujava a camisa com respingos do vinho corante... daqueles de deixar a língua roxa. Sacrifício compreensível: era pela causa!

Aos acordes finais do Fantástico, depois de ter conferido os palpites da Esportiva, ouvindo a zebrinha, já começava a desanuviar. Fazia uma cara de preocupação, naturalmente para preparar desculpas para Jandira, mas caraminholas já começavam a povoar seu pensamento.

No planejamento preparava, mentalmente, o checklist para o dia seguinte: ligar para o Quequé, acertar a carona (vez ou outra deixava o carro com a patroa para evitar suspeitas), ler as colunas do Toniolo na Gazeta, Luiz Antonio na Tribuna, Jacaré no Diário Popular... ali estavam as dicas da noite curitibana. E na noite de Nonô as estrelas não estavam nas boates, mas, sim, nas casas noturnas onde o forte eram a boa música e mulheres que buscavam parceiros com ginga, ritmo e esgrimassem no jogo da sedução com palavras bonitas.

Nonô era freguês de carteirinha do Operário, no Alto do São Francisco. Daqueles de bater nas costas do Edgard Antunes da Silva, o Tatu, e pedir música preferida para a Orquestra Guarany. No Operário aprendeu o “quadradinho” do samba de gafieira, o bolero no melhor estilo do Rodolfo Valentino e vez ou outra incursionava pelos oito passos básicos do tango. Mas nunca foi de fazer voltinhas segurando a dama apenas pelas mãos. “A dança é a oportunidade de você ter a mulher bem perto e vai soltar para jogar para a torcida?”, justificava-se Nonô, arredio ao modismo que um ou outro tentava implantar com seus volteios.

Marcou época no Batelzinho (também conhecido como Le Batô), Caça e Tiro, Estrela da Manhã, Treze de Maio, Vinte e Sete. Seu gosto era dançar. Amar era a Jandira. Mas por algumas vezes validou a tese de que a ocasião faz o ladrão. E foi aí que acabou se estrepando.

Numa noite cruzou olhares com uma morena cheia de dengos. Começou olhando para as coxas roliças embaladas em sedosa meia-rede... Passou pelas ancas e a cintura de pilão, se deteve nos fartos seios e finalizou o encantamento nos lábios carnudos e olhos pidões. Chegou até a mesa da moça, apagou o cigarro no cinzeiro, com determinação, e demonstrando atitude a enlaçou com elegância. Rosto colado, respiração arfante, música envolvente e... seis horas da manhã pulou da cama correndo e com desculpa na ponta da língua. Tudo bem até o momento em que Jandira notou que ele estava vestindo a cueca pelo avesso.

Hoje Claudionor tem em sua mesa de trabalho na repartição a foto de Jandira, da sogra, filhos e uma casinha de cerâmica como cinzeiro, com a inscrição em dourado “Lar doce Lar”.

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