Bloquinhos de anotações na lixeira e outros dramas

Não se escreve por nenhum outro motivo a não ser para que seja lido. Escreve-se por vaidade: eis a maior das questões! Aos meus vinte anos mamãe jogou fora todas as minhas agendas, páginas com poemas, folhas amareladas que eu guardava com tanto afinco desde os nove anos. Todas elas. Não me restou nenhuma memória das paixões de escola, nenhuma reclamação, confissão, lamento... nada. Eu não lembro se chorei na morte de meu pai como chorei com a perda dos meus caderninhos. Quanta frieza nesta afirmação, eu sei disso. Se lhes serve de justificativa, eu tinha oito anos e não sabia direito o que significava a morte, como ainda hoje não sei. Penso que a morte seja parecida com o que senti quando vi aquela gaveta vazia. A ausência do que amamos: talvez a morte seja isso, talvez não. Agora, na solidão da kitnet, tento descrever o que é sentir-se nada. Isso também deveria ser considerado morte.

Izabel Reinaldo
Enviado por Izabel Reinaldo em 25/02/2018
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