Nos trilhos da Linha Azul

Sexta-feira, 19:30h. Sento no fundo do vagão do metrô Conceição, cansado fecho os olhos, coloco fones, quero ouvir boa música, seleciono no Spotify MPB na voz do Belchior.

Viro pro lado, um senhor, a princípio o acho aquele tipo de gente simpática, mas incoveniente. Me indaga o que estou escutando, mostro minha playlist. Abre um sorriso e se declara fã do genial cantor Cearense.

Esboça puxar assunto. Não quero, estou morto de sono. Mas pela discreta abordagem e o semblante gentil; educadamente tiro meus fones para ouvi-lo.

Ao perceber minha receptividade, o cidadão de maneira articulada, discorre numa abordagem cheia de referências músicias, políticas e crítica social.

Alega em ar professoral, que nos anos 70 e 80 assim como Belchior se aventurou em palcos, em outros palcos; o da carreira legislativa.

Diz que abandonou por uma série de frustaçoes com cenário político tão cheio barganhas, arbitrariedades jurídicas e institucionais, largou tudo por uma vida simples e anônima...

Transcrevo abaixo um pouco do seu monólogo:

" Rapazinho, assim como o Belquior se recusou a fazer parte da loucura e declínio da música popular brasileira , eu a exemplo dele, também não faço parte desse elite politica que em seus discursos pintam ilusória farsa de ser a 2° maior Economia das Américas e que para se adaptar às novas regras de mercado suprime direitos do trabalhador para beneficiar os 10% mais ricos do país em cujos cofres concentram 75% da riqueza nacional.

Cansei, e mesmo tendo oportunidade caminhar nos antros do poder, optei até por não fazer parte desse parcela da classe média brasileira que se acham relevantes economicamente só por receber mais de 10 salários mínimos; morar num apê com varandinha gormet; viajar pra Disney em 24 X no crédito, usar Tommy ou Polo Ralph, e só por isso se julgarem dignos pra criticar quem recebe Bolsa família e por burrice voltou em algum partidinho de esquerda.

Meu caro moço, percebi que o Brasil que faço parte é composto de homens e mulheres anônimos, que espremidos nos coletivos pelejam pra voltar pra casa, esmagados em duas horas de condução, isso depois de enfrentar jornada de 8 a 10hs de trabalho. Um Brasil real que morre nas filas do SUS e na sua maioria pulsa e rasteja nas periferias e sertões.

Esse Brasil que sonhamos ainda está distante e talvez nem em vida iremos nele pisar. Perceba que passado mais de um século, ainda temos uma cultura de escravidão, essa perversidade como fantasma ainda é prática nos diversos rincões do país tudo sob a conivência de uma classe política maquiavélica que se acostumou as desigualdades e aos descasos e que, sem peso de consciência impõe efetivo fator de atraso aos menos favorecidos, ordenando uma estruturada contra os interesses dessa população que desde sempre sangra para servir a desígnios alheios e opostos aos seus.

Meu interlocutor cansa, baixa a cabeça, bate no meu ombro e com semblante firme se levanta cantando : "Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco e mesmo não tendo grana, tenho consciência tranquila pra seguir os trilhos de minhas convicções".

Jazi Nask
Enviado por Jazi Nask em 02/03/2018
Reeditado em 30/11/2020
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