É agora, o instante é agora!

Só a observava pela janela. Dias chuvosos, noites calorentas, lençóis bagunçados ou organização na cozinha. Não importava, eu só a observava. Foi assim que descobri que ela gosta de sua solidão. Na verdade, não era assim que ela dizia, cuidava das palavras; se posicionava sobre ‘apreciar sua própria companhia’. É, eu também lia suas postagens, afinal, foi por suas palavras, principalmente, que me ‘derreti’ por ela.

Confesso que era linda. Sua nuca sempre descoberta por conta dos cabelos presos num coque mal feito (e daí, ainda mais charmoso), me faziam suspirar, imaginado o quanto podia acaricia-lo, cheirá-lo, beijá-lo. Alguns fios soltos davam um ar despretensioso, como se não quisesse mesmo se arrumar e ainda assim ficava estonteante.

Tinha hábitos peculiares e organizadamente diários: levantava, olhava-se no espelho do quarto, assentava os cabelos bagunçados e se dirigia ao banheiro. Saia de lá exatamente 42 minutos após entrar; sabe que eu me perguntava se por acaso ela caia no sono novamente? Fazia seu café, na xícara mesmo e sentava na janela, esta pela qual eu a admirava escondido.

Após ver o movimento nas ruas laterais do seu apartamento, ela sentava em sua poltrona roxa e colocava-se a digitar... e assim eu também terminava minha observação diária. Passava a aguardar sua postagem, após digitar seus textos, fazia questão de alimentar seu site com suas ideias, reflexões, dores, amores... Sem medo nem insegurança ela se expunha, acho eu que na esperança de encontrar alguém que a leria por completo. Não só suas palavras, mas seu ser, a dificuldade de ser ela mesma.

Disposto estava eu, calado e escondido também. Não sei se eu conseguiria proporcionar o que achava que ela merecia, então, me contentava em ficar à espreita e admirá-la desta forma mesmo.

Já ao final da tarde fui ao encontro dela: eu na minha janela e ela na dela. Estava saindo para comprar os quitutes da tarde. Passou pelo portão do prédio cabisbaixa, imaginei que havia algo errado. Despediu-se do porteiro, acho que né, só conseguia ver os movimentos que fazia, à essa distância não havia som em minha observação. Desceu o primeiro degrau da calçada, distraída, e sumiu por entre as ruas pouco movimentadas ainda.

Voltei aos meus afazeres. Planejando um encontro ao acaso com ela, saí após minutos contados. Mal virei a esquina encontrei meu destino, não a vi nem voltei. Quem perpetua minha lembrança é ela que se põe a digitar logo após um café na janela. Fala do vizinho que a espreitava e, ansiosa, aguardava uma coragem alheia, já que a dela tinha morrido de amores passados. E, morreu mesmo, sem chance de reviver-se numa outra história, assim como meus carinhos, beijos e palavras doces que deixei de proferir; apenas por medo de ser o que eu, na verdade, já era para ela!

Sheila Liz
Enviado por Sheila Liz em 06/03/2018
Código do texto: T6272495
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