As estrelas da metrópole

Que nunca se diga por aí que o Henrique não subiu na vida. Subiu, subiu sim, subiu tanto que até ficou com vertigem ao tentar olhar para baixo. Ora, convenhamos, 36 andares é um exagero, são mais de 100 metros céu acima. Se colocarmos um campo de futebol na vertical, ainda não alcança a altura desse prédio em que estou – no último andar. Cheguei lá depois de uma viagem de 45 segundos de elevador.

Até os meus 13 anos, minha vida se deu quase que exclusivamente no térreo. A cidade era pequena e os prédios eram poucos. O maior deles tinha 12 andares, o que, na minha visão, era suficiente para alcançar a estratosfera. Nunca cheguei a entrar nele, e sempre me admirou que pessoas pudessem comer, dormir, viver normalmente tão próximas do céu.

Depois eu me mudei para o terceiro andar, o que é um tanto alto, mas ainda tolerável. Nem tinha elevador, só se subia pela escada mesmo. Fui subir para valer mesmo já em Brasília, onde trabalhei no 14º andar de um total de 20. Era o máximo em que eu já havia posto a planta dos meus pés, até hoje.

Dia desses, fez sucesso o vídeo de um prédio em Balneário Camboriú que balançava durante um temporal, a tal ponto que fazia transbordar a água de uma piscina. Os especialistas disseram que era tudo normal, mas o vídeo impressiona. E eu me lembrei que, no meu tempo de 14º andar, estive dentro de um prédio que tremeu em Brasília, e por razões bem pouco tranquilizantes. Era um terremoto, desses que não existem no Brasil, um terremoto de 5 graus na Escala Richter, e eu vi andar a minha mesa de trabalho. Estava sozinho na hora e não acreditei que fosse algo tão sério, continuei a trabalhar, não cheguei a descer do prédio, como fizeram em vários pontos da cidade. Se algo maior e mais forte acontecesse logo em seguida, eu estaria entre as vítimas fatais. Era o 14º andar, e agora estou no 36º, mas nada treme.

Olho para baixo, e não se olha para baixo sem cogitar a possibilidade de cair, despencar lá de cima. Só há um problema filosófico realmente sério, que é o do suicídio. Em dois, três segundos no máximo, eu poderia subir na sacada e me atirar para baixo, e então tudo estaria acabado. Não existem grades, não há nada que me impeça. Cada morador possui uma sacada como essa, cada morador recebe um convite diário ao suicídio e, no entanto, são bem poucos os que tentam. Diz que um engenheiro se jogou daqui de cima, no tempo da construção. De certo não foi o único que tinha motivos para isso, mas é que nem todos têm essa coragem. E a sacada continua lá...

Paro de olhar para baixo, olho além, até onde a vista alcança. Há prédios como esse, há prédios um pouco maiores, há prédios menores, mas há prédios, há prédios por toda a parte e por onde se estende o olhar. Os prédios são as estrelas da metrópole, não vale a pena tentar contá-los, eles não acabam nunca, e cada um deles deve ter os seus planetas, cada um deles tem, em sua órbita, pessoas que vivem e amam, que enxergam o Universo de uma forma particular.

Tento identificar alguma coisa lá embaixo, na imensidão que se abre na janela, mas tudo é confuso e fantástico. Estou acima da maior parte de Curitiba e daqui de cima os meus pensamentos são os de um deus complacente com a multidão de formigas que correm de um lado para o outro. Ah, é preciso subir, se elevar, planar acima de tudo isso. Ergo a cabeça, vejo um avião, tão mais alto, e penso em continuar.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 11/03/2018
Reeditado em 11/03/2018
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