A bailarina

Os holofotes dançavam por toda a parte. Milhares de olhares transmitiam milhares de emoções. Olhares que demonstravam a alma, olhares que demonstravam tristeza, devoção pela beleza e graciosidade com que a bailarina flutuava pelo teatro.

A bailarina podia sentir os olhos contornando suas formas, admirando a forma com que seu corpo rodopiava e seus braços e pernas contornavam o ritmo da melodia.

Aquilo era tudo o que ela queria. Era tudo o que ela sonhava. Era tudo o que ela mais amava. A bailarina não precisa de família e nem de namorado enquanto estivesse dançando nos palcos. Sentia como se o chão daquele teatro chamasse por ela, implorasse para sentir suas suaves sapatilhas circulando e se arrastando por aquele chão. A luz de sua vida era a luz que emanava dos holofotes, a luz que dava ainda mais vida para que a paixão dela fosse exibida.

No palco, a bailarina se entregava. O balé era seu deus. Cada vez que as cortinas se abriam e os olhares a encaravam, ela esquecia qualquer problema que viesse a ter em sua vida. O balé a carregava em seus colos, fazia-a flutuar virtuosamente por todos os cantos.

Seus olhos brilhavam, seu coração estava em plena paz. Seu sangue fluía vorazmente por todo o corpo, como jatos de pressão. Seus músculos estavam quentes e seus pés como se tivessem asas. O balé é droga da bailarina. A dança é a alma que sustenta a sua vida. Ela gira novamente, desta vez muito mais rápido. Salta para frente, levanta os braços e os desce vagarosamente, dando força de expressão para sua leveza.

Qualquer pessoa que ali estivesse e que abrisse os olhos para a alma enquanto observava o balé, sentia a paixão emanar do palco; sentia a emoção da bailarina aquecer seu coração. A bailarina era uma artista. Fazia arte quando dançava, eternizava sentimentos de leveza e paz, exaltava o amor em todos os corações. Era a artista da vida. Com cada passo, com cada salto e cada giro, ela entrega sua vida a todos aqueles olhares que anseiam por paz.

A vida não importava mais para a bailarina. Nada importava mais do que seguir o som do violino, do que deixar a música penetrar por seus ouvidos e percorrer seus nervos e transformá-la em dança, em movimento. A bailarina estava no paraíso. A bailarina poderia morrer ali, abraçada pela música e aquecida pela dança. Seu espírito sairia de seu corpo e penetraria todos aqueles olhares, conseguiria tocar no mais íntimo de cada espectador. Ela levaria o dó, ré, mi, fá, sol, lá e dó para o coração dessas pessoas. Ela transformaria a dor das pessoas, a tristeza, o medo e a desesperança em notas musicais.

Ela era uma artista. Ela entregava sua vida pela música, pelo movimento, pela atenção e pela vida dos espectadores. Ela se sentia extasiada em ser observada e admirada, em ser desejada e trazer alguns minutos de paz ao coração deles. A bailarina sentia amor, ela apaixonada e tinha namorado; seu namorado, sua paixão e seu amor era a platéia. Era levar a dança das notas musicais, era levar o tesouro do balé ao coração de todos.

Ela termina a dança e chora. São lágrimas de uma guerra de sentimentos. Ela não queria nunca parar de dançar. Ela queria ter força para dançar o resto de todos os seus dias. Ela se revoltava quando a música estava acabando e ela teria que abandonar o seu público, sua música e seus movimentos e voltar para sua vida medíocre. Voltar para aquela vida cheia de dores e cheia de lutas a fazia chorar; para de dançar a fazia chorar. Ela queria mais. Seu coração implorava por muito mais; sua mente desejava que seu corpo parasse. As pessoas queriam mais; ela ainda não tinha concluído sua missão, ainda não havia entrado no corpo de todas as pessoas.

Isto a fazia chorar ao fim de cada dança. Quando a dança acabava, ela não era ninguém; quando a dança acabava, o sonho acabava. A alegria de viver acabava.

Ela sai do palco e vai ao camarim. Outra parte que dói. Ela vive um contraste em sua vida. Quando chega, se arrumar para o balé é como trazer todo o brilho e calor do sol e depositar em todo o seu corpo. A maquiagem é o brilho do sol colado em sua face; a roupa é a beleza do mundo estampado em tecidos. Quando ela termina de se arrumar, o pré-requisito para sua arte está pronto; a armadura para a batalha está a postos. Porém, quando ela tem que tirar seus trajes, ela quer se matar. Ela quer por um fim a sua vida. Quando ela tira a roupa, tira quase seu coração inteiro. Mas nada, nadinha de nada dói mais do que tirar a sapatilha.

A sapatilha é a fundação de sua vida; é a arma para a batalha. É o seu coração exposto. As sapatilhas são as mães, são os pais, são o espírito de tudo. Sem a sapatilha, ela não teria chão onde andar. Sem a sapatilha, ela estaria muito abaixo de ser até um ninguém. Portanto, quando ela tira a sapatilha, dói até a sua alma. É arrancar o coração e continuar viva. É como privar um ser humano de escolher seu próprio destino ou de amar.

Ela tira todo o traje. Dói. Muita dor. Alegria porque amanhã dança de novo, dor porque ela não quer sair dali, ela não quer chegar em casa. Ela quer dançar eternamente.

Ela volta ao palco. Todos já se foram e os holofotes estão apagados. Somente as luzes fantasmagóricas do alto do teatro estão acesas. A vida da bailarina quando não está dançando é exatamente igual aquele teatro lindo, porém vazio. Com capacidade de iluminar e brilhar, porém escuro. É assim sua vida quando não dança. Ela coloca as mãos na cabeça enquanto segura lágrimas. Então grita.

Ela grita e grita. Ela se bate. Ela se contorce. Ela quer dançar. Ela precisa dançar. Sua cabeça está explodindo. Seu corpo está tremendo. Se sente sozinha.

Então ela decide buscar companhia. Vai até o fundo do teatro e liga o holofote. Volta ao palco e retira as sapatilhas de sua mochila e coloca em seus pés. Está armada para a batalha. Está com o coração batendo e emanando luz. Em sua mente, forma-se uma música. A música mais linda de todo o mundo, com pianos, violinos, violoncelos e harpas dando forma e cor à sua vida. É como se estivesse realmente numa apresentação. Ela imagina todos aqueles olhares e sente toda aquela respiração do público emanando para seu coração.

Ela sente. Ela sente tudo o que há de melhor. Sente amo, paixão, ela quer gargalhar. A vida é muito maravilhosa enquanto dança. Ela dança, ela desce do palco e sobe as escadas do fundo do teatro. Ela vai dançando balé. Vai rodopiando, saltando, levantando as pernas e movendo os braços no ritmo da música.

Ela chega do topo do teatro, do lado de fora. Agora as estrelas são sua platéia. As estrelas derramam seu olhar e entregam suas emoções para a bailarina, que pode sentir tudo, todas as emoções de todas as estrelas. Ela sente o calor das estrelas de todo o infinito universo atingi-la, sente uma emoção tão grande que chega a doer seu peito.

A bailarina gira. Gira sem parar. Salta. Movimenta todo seu corpo.

Como ela ama. Ela sente a dança, ela sente a música, ela sente cada célula de seu corpo implorar por mais e mais dança, mais e mais movimento. Todos os seus órgãos e cada centímetro de sua pele vicia-se no êxtase que é a dança. O balé. O balé é minha vida.

E como se fosse uma estrela cadente, como se fosse um pássaro dançante ou uma folha que dança ao vento, ela cai. Não, ela não cai. Ela flutua. A dança explode em seu peito, a música explode em sua cabeça, o sentimento queima suas veias. Seu corpo explode.

A bailarina agora está com as estrelas. A bailarina se transformou numa estrela cadente, que carrega os pedidos e desejos e ainda sentimentos de todos os milhões de pessoas que a observam. Ela conseguiu chegar ao coração das pessoas. Ela alcançou o mais íntimo do ser humano. Ela era um milagre. A bailarina era um milagre. A dança, a música, o brilho e o público estão todos unidos. O balé dança no céu da noite. A bailarina irradia apenas por um segundo no céu, mas já é o suficiente para que ela leve o coração de quem a olhe.

Matheus Besen
Enviado por Matheus Besen em 13/03/2018
Código do texto: T6278672
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