Duas Cidades

Poderia falar muito tempo, ou escrever muitas páginas sobre Tramandaí, mas esta cidade, por si só, não me levaria a isso. Só escrevo sobre ela, porque sou levada pela lembrança que tenho de minha cidade natal, Caxias do Sul.

Quando tive que sair de lá, com minha família, porque meu pai sempre deixou claro amar o litoral, chorei. Lá estavam meus amigos, minha história de adolescente, meus amores e meus sonhos para o futuro. Cheguei furiosa, e comecei, instantaneamente, a compará-las: Caxias, como a cidade grande que é, tem shoppings, praças, belas igrejas, teatros, cinemas e a Casa de Cultura, que tanto me fascinava na adolescência, pela galeria de arte, sempre com exposições de pintores e escultores de renome, com sua biblioteca rica e organizada, repleta de literatura, minha grande paixão. Tramandaí, por outro lado, cidade que só funciona arduamente, que só pipoca de gente, na temporada de veraneio, não tem cinema, nem teatro, nem shopping. No verão imitações baratas de centros de compras. Biblioteca: algumas pequenas salas, com velhas coleções empoeiradas, leitura básica de Ensino Médio, quase todas doadas por leitores das grandes metrópoles que veraneiam no litoral. Ruas sujas e esburacadas em contraste com as belas calçadas de minha terra natal. Aqui, tudo é plano, retilíneo, básico e banal. Lá ao contrário, há a serra, bela e amedrontadora, curvilínea, com altos prédios de tradição.

Ah! Grande foi minha decepção quando me vi sem amigos nem livros, nem mesmo uma bela praça, sem sujeira de cavalos, sem vira-latas, onde pudesse sentar sozinha e chorar a saudade da minha cidade. Então, para não enlouquecer, eu, menina tímida, excessivamente religiosa e estudiosa, tranquei-me em casa durante dois longos meses, estudando para o vestibular. Às vezes, ficava noites acordada ouvindo, pela rádio FM, baixinho, para não acordar os outros, na casa, o correspondente da Globo enviado para cobrir a guerra do Golfo. Assim, tentava convencer-me de que lá, do outro lado do planeta, eles viviam em piores condições e sofriam mais do que eu. Eu, que me via longe do meu mundinho de adolescente, perdida em meio aos fortes ventos litorâneos. Depois, passei no vestibular e comecei a trabalhar como caixa numa galeteria italiana. Tive, na época “o melhor verão da minha vida”, porque pelo menos ali, num ambiente tipicamente italiano, aromatizado pelo galeto assado e acompanhado de polenta e radite, eu revivia, mesmo que utopicamente, minha vida em Caxias. Ali fiz amigos ao som das músicas italianas da minha cidade.

Porém, aquele verão terminou, a galeteria fechou e meus amigos foram embora. Eu fiquei e entrei no outono chorando mais uma vez. Mas era março, e a faculdade me esperava, com novos amigos, novas perspectivas, novos sonhos. Preenchi meu inverno com o estudo na Faculdade e com atividades no grupo de jovens da igreja, cantando, orando e encenando peças religiosas. Fui aos poucos me adaptando à nova vida, sempre com uma imensa saudade da minha Caxias, mas aqui fui notando que poderia ser feliz, mesmo sem cinemas, nem teatros, nem belas praças. Claro que os novos amigos e os livros me ajudaram. Como estudante, na Faculdade,, tive acesso a não ampla, mas a uma biblioteca confortável e de qualidade.

Hoje, vários anos depois, estou convencida de que são as pessoas e não as coisas que nos ensinam a sorrir e amar... E aqui, sempre há o incomparável cenário do mar.

Evanise Gonçalves Bossle

Evanise Bossle
Enviado por Evanise Bossle em 13/03/2018
Código do texto: T6279037
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