Da insanidade do desemprego

Me pedem que escreva uma redação? Pois ei-la, terão uma enorme surpresa em saber com quem estão a entrevistar para esta vaga de consultor comercial, pois sou o próprio Rei da Espanha, querem minhas qualificações? São inúmeras e inenarráveis de uma amplitude ímpar, mas afianço-lhes que recebi a honraria de ser funcionário do mês num dos meus empregos, minha foto foi exposta na entrada da firma em que se lia “honra ao mérito pelos R$ 2 milhões vendidos!” eu segurando um polpudo cheque de duzentas mil pratas, outra vez também, fui até uma cidade próxima à Registro e lá pesquei um grande cliente, eles construíram um vilarejo de módulos habitacionais, vocês não iniciados os chamam vulgarmente de contêineres, prospectei-o por completo! Tive que ser paciente, durante quase seis meses aparecia diante dele sob as mais distintas motivações: entregar-lhe uma caneta nova da empresa, um brinde de boa qualidade, uma agenda do ano que vem; o diretor que era o responsável por bater o martelo nunca estava lá quando eu chegava, esperava-o sempre por uma hora, sob o sol escaldante sobre o barro remexido pelos tratores da obra de escavação, bebia um copinho d’água e respirava um dois três três dois um e me acalmava e atingia níveis profundos de concentração.

Posso ressaltar meus feitos longamente, sem me parecer ensoberbecido ou pedante, mas creio que determinadas formas de modéstias são espécies de vaidades enrustidas, houve um desafio, pensem: um grande desafio para vendedores experientes, notem, acostumados a baterem metas, receberem gordas comissões, era um pega prá capar, eu venci o desafio, para me encurtar o feito! Fui reconhecido, e quão bem faz ao ego de um vendedor ser elevado ao pedestal dos vencedores, assim prosseguia de sucesso em sucesso, vitória em vitória até que vieram ventos de desdita e me encontrei desempregado e sem recebimentos!

Mas não quero esquecer que ganhei um troféu de acrílico conquistado pelo trabalho em equipe então querem saber sobre mim? Até que ponto interesso à vocês? Será que posso omitir algumas coisas sobre mim às quais não quereriam saber? Ou será necessário que me exponha, que corte o bucho e deixe cair minhas vísceras, todas elas, uma por uma, quase um quilômetro de tripas esparramadas bem diante de vossas caras imóveis. Mas me contenho e conto-lhes quando atingi uma meta do tamanho do Himalaia: uma leva de corretores de imóveis se apertava diante do coordenador de vendas que apresentava no quadro de escrever uma senóide que mostrava como decresciam as vendas para o setor de imóveis rurais, a promessa motivadora: quem revertesse este gráfico receberia uma vultosa comissão. Não queiram saber o que fiz! Instalei-me na região de Araçatuba e em pouco tempo estava imiscuído naquela sociedade de compradores rurais, vendi terrenos, imóveis provincianos e lançamentos, minha conta bancária atingiu cinco dígitos, digam-me se não é um case de sucesso? Nem me pediram e já estou me antecipando e contando-lhes minhas conquistas.

Homem de preto
Enviado por Homem de preto em 14/03/2018
Reeditado em 14/03/2018
Código do texto: T6279974
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