Pelo buraco da fechadura

Como o mundo ficou indiscreto, não se espia mais por fechaduras; não se fala mais com vizinhos, debruçando-se nos muros; não existem mais biombos; não se fica mais sozinho em elevadores, tudo ficou tão transparentes, perdeu-se a privacidade, todos somos astros das câmeras... não há mais necessidade de fechaduras, muros e biombos, os olhos eletrônicos roubaram de nós pequenos delitos e indiscrições.

Ninguém mais pratica furtos de bijuterias em magazines; ninguém mais troca etiquetas em supermercados; os antigos audaciosos temem flagrantes em tentativas lascivas, dentro de coletivos urbanos. Quase que o mundo ficou mais puro, inibidas que se fizeram as transgressões menores, tudo é filmado, tudo é levado a público, esgotaram-se os crimes anões.

Nas seções de esportes sabemos tudo da vida íntima dos jogadores, quem anda com quem, quais são as taras, fetiches e deslizes dos atletas. Comenta-se que os esportes passarão a exigir o celibato e voto de virgindade dos jogadores.

Na política tudo veio a tona, sabemos o preço de cada um, onde guardam o cofrinho, em que gaveta conservam as meias, e as cuecas, o corrupto de hoje já chega à vida pública sabendo o valor de cada suborno que pode praticar. Não há que se falar –“eu não sabia”-, tudo é amplamente revelado.

Algumas condutas governantes se transformaram em verdadeiras aulas de geografia, o nome de países, dos quais nunca tinha ouvido falar, tornaram-se familiares, lendo-se a publicação e “recuerdos” de determinados viajantes, quero dizer, de determinados políticos peregrinos. A vida pública está se transformando em uma grande agência de viagens, eu também gosto de viajar.

Não se vagueia mais de lojas para lojas, a internet lhe dá, num único toque, a incrível competição dos preços, não se pode mais reclamar por ter pago um preço mais alto, a informação estava ali mesmo em seu computador, você foi negligente.

Se antes as revistas masculinas traziam fotos de celebridades, com pouca roupa, ou sem nenhuma roupa, as câmeras hoje permitem que você veja até sua vizinha, com pouca roupa, ou sem nenhuma roupa. É voz corrente que muita gente está procurando mudar de endereço, apenas para morar ao lado de vizinhas atraentes, a beleza da mulher ainda faz coisas.

Até a vida íntima dos seres que habitam o fundo dos oceanos está sendo devassada, programas animais tiram dos inocentes seres, que agora sabemos não ser tão inocentes assim, a vida privada.

O mundo transformou-se numa imensa aldeia, sem portas, sem janelas, sem tramelas, tudo pode ser livremente espiado, apenas embaralharam as cartas, cabe a nós descobrirmos se somos espiões, ou se estamos sendo espionados.

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 22/03/2018
Reeditado em 22/03/2018
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