Sansão e Dalila

No interior, em pequenas cidades, eles são chamado s de barbeiros, não sei a razão, afinal eles cortavam apenas o meu cabelo, pelo menos o meu, eu tinha 10 anos de idade e não tinha barba.”

Aos 18 anos, já morando em uma cidade maior, eu procurei pelo cabeleireiro do bairro, mais barato, menos sofisticação. Duas coisas me confundiam: primeiro a etimologia, pois tenho comigo que cabeleireiro vem de cabelo, pois eu nunca usei, e nunca tive uma cabeleira; a segunda dúvida sempre me intrigou, o cabelo continua crescendo após a morte, ou é só um recheio para enriquecer lendas urbanas? Ah, na cidade grande, os cabeleireiros são como anjos, não têm sexo.

O cabeleireiro que me foi indicado cobrava dois reais o corte, um valor irrisório, que até eu, um estudante “falido”, conseguia pagar, com folga. O profissional era velho, e eu sei que foi uma maldade minha, mas espalhei pelo bairro que ele havia sido o Fígaro inspirador de Rossini, e só podia ser maldade mesmo, este Fígaro era muito mais velho que Rossini, e o preço que cobrava pelo corte, era um valor de antanho, de muito antes. Não posso deixar de contar que sua maquininha ainda era manual, nada de máquinas elétricas, ainda era no “nhoque... nhoque”, com algum dente faltando nas engrenagens, sei disso pelo tanto que ela arrancava de fios, e doía muito.

Casado, pai de três filhos, levava as crianças a uma escola de cabeleireiros, e não era por maldade, lá eu não pagava pelos cortes, e era onde eu cortava o meu cabelo também, e todos nós éramos vítimas dos aprendizes. A escola ficava perto da Casa das Esfihas, e eu constatei que dar esfihas para as crianças, após os cortes, significava um gasto maior, e voltei a pensar em um salão de cabeleireiros.

Sempre procurando por um preço menor acabei em um “Studio” da periferia, ali o preço também era do tempo de Rossini, que viveu no começo do século XIX, mas a higiene era mais antiga, era medieval, o salão era mais peludo que um urso polar, urso branco, preto e pardo; os cabelos derrubados formavam um tapete natural. Esperando minha vez, eu assistia a tudo, imaginando que todo aquele cabelo no chão, se bem trabalhado por um artesão, daria um belíssimo painel.

O barbeiro era falante, como falava o homem, tanto de política, quanto de futebol, trazia à baila belíssimas mulheres, e comentava a violência do bairro. Era surpreendente como ele falava sem perder o ritmo, falava e cortava, não necessariamente nesta ordem, cortava e falava também, quando eu cheguei ao local, havia 4 pessoas à minha frente, e de repente já era minha vez, o homem era um fenômeno, se ele fosse cubano eu diria que ele cortava cana em suas origens; e os cabelos ganhavam volume espalhados pelo chão.

Eu nunca vou entender como cobrando um preço tão baixo pelo corte, cada cliente, ou paciente, sei lá, tinha direito a um prato de sopa, feita num fogão ao lado, cuidadosamente coberto por um véu, ele sabia que cuidar da higiene é uma obrigação de todo profissional, ainda assim, sendo feita com tanto zelo, eu agradeci, e não tomei a sopa que me foi oferecida.

A versão bíblica original envolve uma mulher, Dalila, que traiu o homem de cabelos longos, Sansão; agora, no corte de cabelo de que estamos tratando, não havia Dalila, só nos valemos de uma parábola, que tem como foco...cabelos cortados.

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 07/04/2018
Reeditado em 08/04/2018
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