Incurso no Método.

Dia típico de outono por estas bandas. Céu sem nuvens, saudosismo, indício de melancolia, a incógnita, lagartixas atravessando quintais (uma delas pára ao som de Bob Marley - redemption song), manifestantes com camisetas estampando a face de um guerrilheiro morto em 1967, comunistas fumando maconha entre os monumentos públicos do centro velho, o velho mendigo coçando a sarna que nunca cessa, a velha olhando os netos enquanto sua mãe dá a bunda nas escadarias da Sé com um saco de cola pendurado no pulso cicatrizado por uma tentativa de suicídio, trabalhadores amarrados em prédios limpando as paredes do sistema e da própria alma com a tragada no último cigarro, pensando no discurso sobre o método que dará à esposa quando se atrasar para chegar em casa porque parará no boteco do Almeida e tomará três doses de cachaça.

A vida passando sobre o couro, as massas, os ossos e vísceras dos sobreviventes...

Há uma fagulha de esperança flutuando no ar...

Enquanto isso, no interior de uma barraca debaixo do viaduto Casa Verde, uma moçoila já envelhecida pela lida esfrega com força a roupa dos filhos na vã esperança de tentar impedir a saída das lágrimas.

O metrô passa e deixa um cheiro de borracha queimada...

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 07/04/2018
Código do texto: T6302266
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