Os novos miseráveis

Os Novos Miseráveis

Nesta mudança de liderança em Angola lembrei-me deste texto retirado do livro Vozes da Liberdade. Este extracto sempre conseguiu trazer-me desconforto, apesar de ser o reflexo exacto do que tenho como minha felicidade social e individual.

Carta de Victor Hugo a Alphonse de Lamartine 24/Julho/1862.

“Sim, uma sociedade que admite a miséria,

sim, uma religião que admite o Inferno,

sim, uma humanidade que admite a guerra,

parecem-me uma sociedade, uma religião e uma humanidade inferiores,

e é para a sociedade excelsa, para a humanidade excelsa, para a religião excelsa que eu tendo: Sociedade sem rei,

humanidades sem fronteiras,

religião sem livro.

Sim, combato o padre que vende a mentira e o juiz que pratica a injustiça. Universalizar a propriedade, o que é contrário de aboli-la, suprimindo o parasitismo, significa chegar a este fim: Todo o homem proprietário e nenhum homem dono

Aí está, para mim, a verdadeira economia social e politica.

O fim está distante. Será isso motivo para não marchar para ele?

Abrevio e resumo.

Sim, tanto quanto é permitido ao Homem querer, quero destruir a fatalidade humana, condeno a escravidão, repúdio a miséria, instruo a ignorância, trato da doença, clareio a noite, odeio o ódio. Eis o que sou e eis por que fiz Os Miseráveis. Em meu pensamento, os Miseráveis não são outra coisa senão um livro que tem a fraternidade como base e o progresso como cume. “

…../////..... Fim de citação

Nestes tempos que correm, nestes tempos de repatriamento de capital e chamar as pessoas para explicarem o inexplicável, nestes tempos de bombas químicas e, igualmente de muros absurdos; nestes tempos de ébola e Faixa de Gaza, com a guerra na Ucrânia e a Líbia, Síria, Nigéria e todos os outros a ferro e fogo, a Argentina e o Brasil em banca rota, o senhor Trump a falar pela primeira vez com África como se fosse coisa nunca vista e indesejável, tenho sentido que somos todos contemporâneos de uma viragem histórica, somos contemporâneos de fenômenos de difícil compreensão.

As notícias vão-nos arrastando para uma realidade disforme, complexa, sem sentido ao olho nú do comum dos mortais, como eu.

Gastamos mais dinheiro no envio de uma sonda inter-planetária para analisar o pó dos cometas do que na pesquisa de vacinas.

Gastamos mais dinheiro em satélites para difusão de programas televisivos tipo BIG BROTHER do que em camas de hospital.

Mas, somos mesmo assim! Fazer o quê?

Quando somos chamados a dar opinião sobre o que nos rodeia, tentamos, pelo menos, sermos sinceros e trazer uma imagem crítica, uma imagem literária, uma visão ampla, traduzida por nossas palavras, sobre o mundo.

Mas nem toda a gente consegue ver assim.

Uma crítica é uma forma digna de dar uma opinião.

Tentar encontrar dentro das frases, dos textos publicados, insinuações, segundas leituras será sempre perder tempo.

Existe a firmeza de carácter nas opiniões, existe a firmeza de carácter na defesa dessas opiniões em perfil de crítica.

Não existe firmeza de carácter na crítica destrutiva dos textos escritos com rigor e isenção, nem nas opiniões sustentadas por experiência e academia.

Victor Hugo, escritor francês, foi um pensador sagaz e, passados tantos anos, inspirador de uma ideia de liberdade.

O que é ser livre?

Como posso ser livre?

Quem é livre?

Haverá algum desafio maior do que exprimir a desilusão da liberdade?

Quando considero que somos filhos de uma pátria menor, estarei a ser ingrato, menos patriota ou estarei a ser aquele que pede o que se deve?

Como angolano posso ou não posso estar descontente?

Se sim, se posso, deixem-me criticar, sugerir, afirmar.

Com a mesma firmeza e dignidade que pago os meus impostos, nessa mesma firmeza, declaro o meu descontentamento e não dou a ninguém, mesmo a ninguém, a possibilidade de me pedir menos, de me pedirem silêncio, contenção, cuidado na escolha de palavras, porque as palavras são minhas, não as escondo, não as vendo, não as discrimino, exijo a minha voz angolana, seja ela de benguela ou de onde fôr. Mas exijo a minha voz.

No dia que até as minhas palavras forem motivo de medo, lá volto eu a ler os Miseráveis, livro ecléctico e motivador para seguir em frente, sem medo e sem luxúria, porque, caros amigos, seremos todos inocentes em particular, mas seremos, igualmente, todos culpados em geral.

Victor Amorim Guerra