Consequências irreversíveis

Avelino, Carlaile e Boqueira interceptaram o ônibus fora do ponto, ameaçaram com suas armas de brinquedo e repetiram o bordão do crime, “Se alguém fizer um movimento morre!” Uma senhora encolheu-se em posição fetal atrás do motorista, que transtornado também queria se encolher, pediu para fumar um cigarro, o ladrão irônico disse a ele que respeitasse a lei, apontando uma placa que proibia o fumo nos coletivos. Um vendedor de algodão doce fez contorcionismos para esconder o lucro do dia, por sorte não foi flagrado. O cobrador por infelicidades não conseguiu a mesma façanha, sob a mira do simulacro entregou tudo o que havia no caixa e na sua carteira. Estava a ponto de convencê-los de que o celular ficara em casa, mas o hino do Flamengo tocou abafado na vala que dividia as duas nádegas gordas e assadas, era a esposa para pedir que não esquecesse o tomate. O motorista também ficou sem a carteira e vinte e cinco reais e setenta e cinco centavos. Na sequência do terror avisaram que colocariam fogo no ônibus com todo mundo dentro, o motorista acendeu um cigarro e tragou profundamente a fumaça, seu antidepressivo estava em falta na Farmácia popular, seus olhos embaçavam e o coração batia rápido.

— Segura aê que o motô tá dano um tanguá! – Disse Avelino zombando ao descer do ônibus junto dos comparsas.

No centro daquele reino de delinquência estava Bia, honesta e sonhadora crescera vizinha de Avelino e, por tropeços do destino iniciaram um romance pós-adolescência, fugiram sem eiras nem beiras. Madura antes dos dezoito questionava o mundo e sua posição de coautora nos delitos do marido, queria outra vida, mas outro dia raiava e ela o dava uma nova chance. Avelino se empanturrava de drogas, quebrava tudo e a espancava, quando voltava lucidez se arrependia. Bia era o que lhe restara de bom, ele dizia, prometera que em breve deixaria o crime, queria “acertar a boa” sossegar nos braços dela. Mas por enquanto a inquietude marginal não tinha tréguas, havia um dispositivo no seu interior que necessitava das ações desonestas para pulsar. O trio de delinquentes quando não estava nos assaltos se reunia para um roby tanto quanto doentio e prejudicial à sociedade; os trotes. Ligavam para a Polícia, Bombeiros, Hospitais e para as Funerárias. Era um orgasmo saber que os veículos foram deslocados para suas intervenções lunáticas, “Foda-se quem quiser morrer!” Repetiam sem o menor pudor. Certa noite das trivialidades daquele mundo medíocre faziam suas arruaças no mesmo ponto, enquanto longe dali um ônibus desgovernado chocou-se contra um muro, muitos profissionais de saúde e voluntários se envolveram na tentativa de salvar as dezenas de feridos, uma força tarefa como nunca visto antes. Algumas viaturas ficaram no pátio para reforço. Mas aquele trio de meliantes alienados tinham outros planos, como de costume desviaram a atenção dos socorristas com seus dramas de humor negro, dizendo que em um suposto assalto a vitima foi atingida por um tiro. Horas depois dentro de outro bar de receptadores, Avelino retirava do bolso varias notas graúdas o outro comparsa exibia celulares na caixa, o terceiro tinha anéis de pratas e alianças de ouro. Passava um jogo, mas a programação foi interrompida o jornalista mostrava o protesto de algumas pessoas ao lado de uma mulher morta. Gritavam que fizeram inúmeras ligações, mas o resgate só chegara após o óbito, o responsável pelo resgate se mostrava irritado:

— Espero que os responsáveis pelos trotes estejam vendo isto! Vocês assassinaram essa moça!

Não foi preciso mostrar o rosto para Avelino reconhecer a tatuagem com seu nome no antebraço de Bia que vestia a calça vermelha com o bordado de uma flor que deslizava seu ramo ao longo da perna.