QUEM É VOCÊ?

Somos em relação a algo, porque temos medo de ser em essência.

O primeiro dia, o primeiro beijo. O início, o começo de qualquer coisa. A primeira amizade. O primeiro olhar. Lembra como nos conhecemos? O fundador, a última turma. O fechamento, encerramento. O fim. A primeira memória e o último piscar de olhos. O ser humano, digo, nós—assim não parece que o escritor é alienígena ou superior—temos um fascínio pelos marcos. Aquele foi o primeiro carro do seu avô, sabia? Início e fim. A contagem regressiva no ano novo, a placa de homenagem aos fundadores ou à primeira turma da faculdade; do tribunal. O ano 1. A gênese, quem nos fez? Ou o que. Por que? Que curiosidade é essa?

Há uma necessidade a nós intrínseca a parametrizar qualquer coisa, zerar contagens, agrupar. Criar e satisfazer padrões. O Brasil foi campeão mundial sempre que a Itália foi campeã e sucedida por outros dois campeões. Em 2018 não vai dar outra porque em 2006 a Itália foi campeã.

Mas por que? A que se deve essa necessidade de marcar, contar e repetir? É preciso apegar-se aos inícios para sentir-se menos solto, largado e, não de outro modo, manter o fim em mente. Temos medo de sermos eternos e eternamente responsáveis. Queremos sentir conectados e presos. Viver por si só não basta. A liberdade é demais.

O medo é de simplesmente viver ou viver simplesmente? Temos medo é de ser. Só. Ser é demais pra nós. O que queremos é ser em função disso ou daquilo. Quem é você? Eu sou padeiro, se me perguntas em relação ao trabalho. Eu sou aluno acadêmico ou mestre e doutor, se me perguntas em função da minha formação. Sou pai, se a pergunta é quanto aos filhos e solteiro, quanto ao estado civil. Eu sou de direita e progressista. Sou nascido em 1960, a década do rock and roll, e me graduei em 1980.

Nada sobre quem eu sou, mas sobre facetas do que sou. Temos medo é de ser. E também de ser só.