Desatando os nós de nós

Nós nos despedimos aquele dia com a certeza de que não mais ficaríamos distantes por tanto tempo. Considerando “nós” o sujeito e “nos despedimos aquele dia com a certeza de que não mais ficaríamos distantes por tanto tempo”, o predicado, não era difícil imaginar que três letras não dariam conta de setenta e sete. “Nós”: uma palavra pequena e inofensiva contra palavras tão pesadas como “despedimos”, “certeza” e “distantes”. O “nós” perdeu. Talvez se esse “nós” fosse algo mais impessoal como: nós de Mariana ainda vivemos com o descaso da Samarco, ou, nós da Rocinha teremos a fachada das casas pintadas para esconder os problemas reais, e até mesmo, nós, professores do Paraná, ainda sofremos pelo 29 de abril de 2015, mas aqui, nessa minha visão egoísta, “nós” é a gente mesmo. Eu e você. E obviamente isso deixa tudo mais frágil.

Lembrei de você cuspindo seus problemas nas relações anteriores no primeiro dia em que conversamos e eu senti uma vontade estranha de fumar três cigarros seguidos. E eu nem fumo. Mas confrontei com os danos sofridos por alguém que se apaixona. E não era culpa sua. Pessoas têm um material vulnerável. Ao contrário da gramática concreta e exata. A verdade é que quando te olhei, eu já sabia que você fazia questão de usar um português correto e fazer ar de não ligar pra isso, e do teu engajamento frágil que dividia o mundo em dois, onde você era o cara do lado certo, como se isso existisse. Eu posso te acusar de tudo, menos de propaganda enganosa.

Do lado de cá, eu continuo. E reconheço que a cada aniversário da minha mãe, algo acontece em mim. Nunca sei o que é, mas sei que hoje sou com mais ternura. O nosso “nós” é menor que qualquer outro impessoal. Até porque, e isso sim é triste de verdade, o "nós" de Mariana ainda vive com o descaso da Samarco, o "nós" da Rocinha ainda terá a fachada das casas pintadas para esconder os problemas reais, o "nós" dos professores de todo brasil ainda sofre com desrespeito.

E o "nós" lá da Síria, certamente adoraria ser tão insignificante quanto o nosso. Mas não é.

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Adaptado. Dialogando com Maria.

Textos de quinta para fugir da responsabilidade.

Não é promessa. É desejo. :)

Marília de Dirceu
Enviado por Marília de Dirceu em 19/04/2018
Reeditado em 19/04/2018
Código do texto: T6313022
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