CONTO DO BILHETE PREMIADO

Eu me vejo na obrigação de repetir o texto abaixo, após acabar de ler no ClicRBS esta notícia recentíssima e alarmante: " HÁ 20 ANOS -

Criminosos da região de Passo Fundo aplicaram golpe do bilhete em mais de 10 mil pessoas. Levantamento da Polícia Civil tem base em quatro inquéritos contra 160 investigados que agem no RS e em SC." Então, lá vai.

- É muito antigo o golpe do bilhete premiado, mas muita gente ingênua ainda continua a mercê. Ingênua, mas com o bichinho da ganância. Como as pessoas ainda marcham em golpes manjados. O brasileiro é de boa-fé - se for possível aceitá-la junto à cupidez. Minha falecida mãe, então na faixa dos oitenta anos, acabou parcialmente embrulhada neste espetáculo teatral clássico do golpe do bilhete premiado. Penalizou-se, na rua, de um cidadão aparentemente humilde, desesperado, inconsolável: havia ganhado na loteria, mas alegava que havia sido assaltado e não tinha consigo a identidade ou coisa do gênero e não conseguia habilitar-se para receber o expressivo prêmio em certa Casa Lotérica, perto de onde ela residia. Enquanto a "Velha" se preocupava em consolar o indivíduo e procurar solução, apareceu outro cidadão, bem vestido e bem falante, acompanhado de uma moça, também de bom nível. Depois de alguns minutos de confabulações, acharam interessante o que propusera o “afortunado sem sorte”, após ter sido "confirmado" que se tratava de bilhete premiado junto à Loteria: o cidadão que aparecera de terno e gravata, acabara aceitando comprar do pobre coitado o bilhete com substancialíssimo desconto. Algo assim. Só que teriam de passar na residência do bom samaritano para apanhar o dinheiro, que teria de ser ao vivo e a cores. Minha mãe achou que a solução não era tão catastrófica, em face da reação que presenciou e acabou acompanhando o pessoal, embarcando no veículo do engravatado. No final, a coisa ficou mais ou menos assim: o engravatado não tinha realmente tudo o que “pensara” possuir em grana no seu apartamento e tentou convencer minha velha mãe a associar-se à magnífica empreitada, concorrendo com boa parte do dinheiro, pois o lucro de ambos seria extraordinário. Foi aí que a mãe reagiu radicalmente, indignada, e disse que não lhe interessava dinheiro, pois só queria ajudar o rapaz sofredor. O de gravata argumentou com perícia, dizendo que ela pensasse, então, nos filhos, pois sempre há um ou dois que precisam de reforço de verba. A velha, com sua personalidade forte, respondeu: “Ora, não me amola, não estou satisfeita e vou cair fora desta confusão, se algum filho meu precisar de dinheiro, que se vire”. E conseguiu liberar-se, abandonando o carro em que estava, angustiada por haver acreditado inicialmente na armadilha. Só não caiu porque jamais fora gananciosa, por si ou pela prole. Eu acho que não seria vítima de um lance destes, pois não teria a menor paciência para acompanhar os volteios da opereta: possivelmente seja pouco solidário e partícipe, quer dizer, pouco brasileiro para eventos populares deste naipe. Acho que a gente já tem muita tarefa pessoal de vulto para vencer no dia a dia. Pensava que a velha também fosse “distante”, “na sua”, mas me surpreendeu positivamente, aliás, duplamente, considerando a disposição inicial de ajudar e o modo firme como fez baixarem as cortinas no final.