Nulla dies sine linea - 27/01/2018

Escrevia Machado de Assis numa crônica publica na Gazeta de Notícias no dia 8 de janeiro de 1893:

"A Igreja recomenda a confissão, ao menos, uma vez cada ano. Esta prática, além de suas virtudes espirituais, é útil ao homem, porque o obriga a um exame de consciência. Vivemos a retalho, dia por dia, esquecendo uma semana por outra, e os onze meses pelo último. Mas o exame de consciência evoca as lembranças idas, congrega os sucessos distanciados, recorda as nossas malevolências, uma ou outra dentada nos amigos e até nos simples indiferentes. Tudo isso junto, em poucas horas, traz à alma um espetáculo mais largo e mais intenso que a simples vida seguida de um ano.

"O mesmo sucede ao povo. O povo precisa fazer anualmente o seu exame de consciência: é o que os jornais nos dão a título de retrospecto. A imprensa diária dispersa a atenção. O seu ofício é contar, todas as manhãs, as notícias da véspera, fazendo suceder ao homicídio célebre o grande roubo, ao grande roubo a ópera nova, à ópera o discurso, ao discurso o estelionato, ao estelionato a absolvição, etc. Não é muito que um dia pare, e mestre ao povo, em breve quadro, a multidão de coisas que passaram, crises, atos, lutas, sangue, ascensões e quedas, problemas e discursos, um processo, um naufrágio. Tudo o que nos parecia longínquo aproxima-se; o apagado revive; questões que levavam dias e dias são narradas em dez minutos; polêmicas que se estenderam das câmaras à imprensa e da imprensa aos tribunais, cansando e atordoando, ficam agora claras e precisas. As comoções passadas tornam a abalar o peito".

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Tive sorte. O primeiro ensaio (depois da “Nova História da Música”) do Otto Maria Carpeaux que eu li na vida foi aquele intitulado “As nuanças de Jens Peter Jacobsen”--Jacobsen que eu até hoje ignoro quase completamente.

E é justamente o primeiro parágrafo de tal ensaio que considero como um dos mais perfeitos que o mestre austríaco escreveu. Ei-lo:

“Contribuindo à definição da nossa época, poder-se-ia dizer: é uma época sem nuanças. O espírito dominante, coletivista, não as suporta e não as tolera. Desafiando a frase brilhante e venenosa de Renan -- la vérité est une nuance entre mille erreurs— a nossa época prefere as verdades simplificadas, “verdades em bloco”, dogmáticas, das quais a nuança seria uma heresia. Faltam as nuanças entre as cores locais, duramente justapostas, dos pintores; faltam as nuanças na língua homofônica dos músicos. E quem procuraria nuanças no pão quotidiano dos intelectuais e dos pobres, no cinema? Estamos coletivamente felizes, isto é, profundamente infelizes, mas também sem nuanças. Morremos mesmo, todos, sem nuanças, a mesma morte”.

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O mundo é deveras um troço esquisito. Há homens e há mulheres; há crianças e há adultos; há petistas e há não-petistas; há Deus e há diabos. E eu, que é tenho eu com tudo isso? Nada! Vou tomar chá.