mega-cérebros em crânios de papel

O corpo, essa máquina cortante e visceral apresenta resquício de um passado selvático. As orelhas de alguns se mexem atentas ao perigo. As sobrancelhas escoam inteligentemente o suor para a lateral dos olhos, esse globo vitral e misterioso. Os dentes castigam presas cozidas e dizimam leguminosas enquanto disputa espaço com a língua, esse verbo muscular que não se fadiga.

A massa encefálica em sua juventude se expandiu como se expande a bílis. O horizonte e seu silêncio exigiu que o corpo se tornasse uma máquina de vocações, corpo reto e riste à sorte de dúvidas que o oceano sempre trouxe e o deserto digere calado. Entre o estio e húmido, o cru e o cozido, o corpo se expandiu em dúvidas e manufaturas.

Agora caminham, e caminho também, nesse corpo em exílio. A cabeça se expande em máquina de fluxos. Um mega-cérebro quase quântico que é dissolvido instantaneamente pela máquina de fluxos. Lentes, pixels, lúmens, fibras, chips circulam parte do nosso mega-cérebro online. A neblina matutina é um wi-fi congestionado de almas vagabundas e exclamatórias.

Cabeçudos e maníacos, os mega-cérebros exigem apenas uma coisa para sua expansão: imitem, seus inúteis, imitem! Sejam criativos em imitar e terão o sabor dos ventos do norte. Os ventos de liberdade trazem o livre consumo e o leve cheiro de satisfação e auto-realização. Salvo alguns rebeldes esquivos, nossas mentes continuam a crescer e a livre circulação de desejos de consumo nos torna um pouco menos deprimidos.

Super-cabeças conectas em rede que fazem o crânio parecer uma fina seda mais fina que a pétala de lírio seca. Essas cabeças viajam livres da angústia de obter um corpo que traumaticamente nos foi concedido com validade. Sua finitude não combina com nossos cérebros virtuais. Seu aspecto carnal e selvagem está totalmente fora de moda.

Comemos carne de gado e não de boi, carne de frango e não de galinha, de suínos e não de porco. O que compramos não são cadáveres imolados, são peças plastificadas em bandejas higienizadas. Não temos tempo para cadáveres e poças de sangue. Nosso corpo, essa coisa suja, nos joga na cara: taquicardias, tremedeiras, intolerâncias, queimações e náuseas. Por isso precisamos urgentemente esquartejá-lo, deitá-lo sobre repousos de isopor, revesti-lo em celofane e nomeá-lo por sua capacidade de venda.

O preço é barato, mas já vale a comodidade de navegar virtualmente em um mundo de merda de animais. Nós, animais falidos.

Fernão Bertã
Enviado por Fernão Bertã em 24/04/2018
Reeditado em 24/04/2018
Código do texto: T6317756
Classificação de conteúdo: seguro