Os passes da vida - Kennedy Maquiné
OS PASSES DA VIDA
Kennedy B. Maquiné
Olá, eu posso ajudar, pergunta a recepcionista em tom barrista. Com a túnica rasgada e suja, confundia-se com os indigentes pedintes da praça. A moça insiste, agora com ar ameaçador - Senhora o ingresso!?
Não conseguia dizer algo inteligível, a queda na escadaria do teatro, na noite passada levara a metade dos dentes. Com o pequeno Pugs sumindo entre os seus braços e os jornais velhos, tentava camuflá-lo sorrindo.
Licença, quem é esse Pugs!? O inesperado marcara encontro com eles no restaurante: desde então, a bêbada que caia aos ventos, de mirar dispersivo e o pequeno puguento ficaram inseparáveis. Difícil dizer quem encontro quem.
Puxa do bolso e entrega à moça, o ingresso amassado, deixara apenas o número, o portador estava rasurado. Olhando a grande fila, e querendo livrar-se daquela sombra de mulher apressou-a: entre senhora, entre. Ela entra no teatro.
Silêncio Pugs, sussurrou ela cruzando o salão em busca do número da poltrona. Enfim sentou-se, até então não começara a peça, mas um velho com ares de filosofo indaga – a senhorita quer pipoca?
Tal figura mística certa vez lhe consolava durante uma chuva forte - “Cada pessoa tem 3 chances na vida, Marry, o sol nasce depois da noite! – esses dizeres e a imagem do velho ficavam a martelar a cabeça. O que há de verdade nisso, pensou ela.
Marry, sem passado, era apenas um nome, aquele teatro era a sua casa e a sua vida, era o que se lembrava de si, e finalmente conseguira entrar. Começa o espetáculo. A música, as fantasias coloridas dos atores. Tudo era só alegria.
Duas decepções marcara a trajetória de uma linda moça: o amigo de infância e o quartel, mas os dois rompem os limites de um sonho de ícaro. As luzes do palco, um rifle cai ao chão, o projétil fatal, assim foi o princípio do fim.
Empalidecem a fumaça de tiros e bombas, os gritos vão cessando ao som dos gemidos, no súbito o silêncio, somente um espectro de homem a se mover no palco. Era um varão bonito que se arrasta ferido e que estende a mão em sua direção.
Ele estende a mão, antes que ela a toque, então, ouvisse outro tiro, e ele cai, some em meio a cortina de fumaça puxado pelos inimigos. A plateia vibra entre assobios e aplausos de pés, ela por sua vez ficara estática, com a mão ainda estendida segurara o que restou do bravo soldado: a bandeira.
No hall, vão sumindo as vozes. À noite seu cobertor eram as estrelas e o seu abajur era a lua, mas com a grande flâmula enrolada ao pescoço, sem esconder seu contentamento abraça o seu Pugs, e deita na escadaria do teatro e pensa: sabe Deus quando vou encontrar outro bilhete...