AS PEDALADAS DO LUIZINHO

AS PEDALADAS DE LUIZINHO

Antônio Coletto - Uberlândia, 04 de Maio de 2.018.

Éramos conterrâneos, filhos do mesmo torrão natal. À época eu era muito criança, mas na memória trago algumas lembranças. Ele já era adulto, pedreiro, trabalhou uns tempos com meu pai. Eram livres, um e outro. Desfrutavam da liberdade de pensar, falar e fazer o que quisessem, de ir e vir, sem os olhos da ditadura getulina à sua espreita. Luizinho tinha uma noiva, a Zulmira. Certo dia, não encontrando espaço suficiente para abrir suas asas na velha Sarandy, resolveu mudar-se para Ribeirão Preto, cidade bem maior, onde tinha o mundo pela frente e podia alçar seus vôos. Apareceu por lá vez ou outra pilotando uma motocicleta. A máquina empolgava a tantos quantos a vissem. Na localidade não havia este tipo de veículo e poucas pessoas já a haviam visto. A última vez que vi o Luizinho foi numa festa de São Pedro, padroeiro da localidade. A Zulmira começou a definhar, de amor, de saudade. Luizinho a deixara, não por outra, mas pela cidade grande. Foi abraçado pelos seus ímpetos, pelo desejo de viver.

Passados alguns anos, eu já adolescente e morando em Ribeirão Preto, começava a conhecê-la. Numa noite de sábado, fui convidado por amigos, vindos da velha Jurucê (novo nome de Sarandy), para chegarmos à Praça XV de Novembro e lá assistirmos à corrida de bicicleta, que aconteceria por volta de dez da noite, no entorno da Praça, centro da cidade.

Fiquei surpreso e entusiasmado: lá estava o Luizinho entre os ciclistas que cumpririam o circuito de entorno da praça. Ele não me viu e, certamente, se tivesse visto, provavelmente, não teria me reconhecido. As crianças mudam, os adultos nem tanto. Por isso o reconheci.

Dada a largada, os atletas partiram. Cada pedalada avançava passos largos e pouco mais de uma centena de metros ganhos, a corrida já começava a ser definida, pois eram apenas três voltas. O Luizinho, que melhor eu observava, lutava heroicamente. Completou a primeira volta em sétimo lugar. Havia mais duas a completar. Deu tudo que tinha e a torcida, dividida entre os vários corredores, aplaudia cada parcela, o seu preferido. Encerrado o circuito, o Luizinho pegou honrosamente o quinto lugar, mas suas pedaladas, e as de seus colegas corredores vibravam nos olhos e nas mentes de quantos assistiram a peleja.

Hoje, passados mais de três quartos de um século, estou aqui com o jornal. Lendo-o lembro-me do Luizinho. Não sei por onde anda, se casou, se gerou filhos, se ainda é aquele pedreiro livre como os pássaros, se ainda vive. A Zulmira, que já foi para o andar de cima, embora apaixonada, casou-se, refez sua vida, teve filhos. Quanto ao Luizinho nada sei. O jornal que leio fala em pedaladas, as da Presidente, ilegais, ofendem dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal, sentenciam. As do Luizinho!, todas foram legais e renderam medalhas. As da Presidente levaram-na à perda do mandato, pela constância, pela reincidência. As do Luizinho, como a vida de Getúlio, passaram para a história. Podem comentar, falar o que quiserem, mas pedaladas com as do Luizinho nem as da presidente igualam.

ANTÔNIO COLETTO
Enviado por ANTÔNIO COLETTO em 05/05/2018
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