Incômodos

Na minha infância, eu gostava de fazer conjecturas a respeito da vida e de seus conceitos e elementos.

Sentado em um banquinho de madeira ao portão de casa, eu observava os veículos passando pela avenida: carros de passeio, vãs, caminhões, ônibus e microônibus; nenhum sequer escapava ao meu olhar. Este era o meu passatempo favorito nas monótonas tardes de sábado.

Então comecei a refletir sobre o incômodo:

- Se uma pessoa pisa sobre outra deitada no chão, esta, sentindo o peso da primeira, certamente se incomodará com a atitude da outra; ela sentirá dor. Coisas que tem vida, talvez com exceção das plantas, sentem dor, e a evitam.

Mas será que no fundo, em objetos que nós conhecemos como inanimados, não há pelo menos um pingo de vida neles, talvez pelo simples fato de terem uma história para contar?

Este banquinho em que estou sentado, por exemplo, veio de alguma árvore; será que ele não se incomoda que eu me sente sobre ele, apoiando imensa parte de meu peso sobre sua estrutura?

Será que o chão não sente dor pelos mais de trinta quilos apoiados nestes quatro pilares de madeira?

Se eu entrasse em algum desses ônibus, será que o assoalho não reclamaria em silêncio, no íntimo de seus pensamentos, sobre o peso que com os pés lhe exerço?

Ah, já sei! Para não incomodar os pisos, nem os tapetes e assoalhos, eu devo criar um poder de autolevitação para que eu flutue por aí, sem ter que pisar no solo.

Mas então, será que o ar não se incomodaria que eu estivesse nele? Afinal, o ar está em quase todo o espaço terráqueo; mesmo que não o vejamos, ele cinge a quase toda a matéria existente no planeta.

Aliás, será que o ar já não se incomoda que eu o respire? E os aviões, helicópteros e foguetes, não o machucam com suas asas cortantes e sons extremamente fortes? Mesmo que sim, a atmosfera ainda permite que tais objetos passem por ela, reclamando, chorando, talvez, em silêncio.

O que você acha de tudo isso, Consciência?

- Acho que no fundo, Henrique, não há como viver sem incomodar os seres vivos. Mesmo que não percebamos, as criaturas gemem e choram pela nossa interferência física ou emocional com elas. E talvez os objetos tenham a tal "vida" que você descreveu. Vivamos com cuidado, então.

Henri Egot
Enviado por Henri Egot em 06/05/2018
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