Fim da guerra.

Há exatos setenta e três anos acabava a II Guerra Mundial na Europa. Sim, pois na Ásia o conflito continuou até setembro, quando da rendição incondicional do Japão após os trágicos bombardeios em Hiroshima e Nagasaki.

O mundo foi tomando conhecendo de toda a extensão da barbárie, racismo, sadismo, atrocidades indizíveis e incompreensíveis para qualquer ser de sentimento mínimo. O holocausto sempre me provocou a pior de todas as formas de indignação, bem como os experimentos ditos “científicos” idealizados pela nefasta elite nazista.

Conheci algumas pessoas que sobreviveram ao horror. E o que sempre me chamou a atenção é que resolveram levar a vida a diante, com muito trabalho e algumas crenças. Mas eu não sei quais.

Mas hoje marca para mim também o final de uma outra guerra. O desencarne da minha tia Teresa.

Eu me recusei a pensar seriamente sobre o fato ocorrido apenas cinco anos atrás.

Que pessoa extraordinária, lutadora sempre e eu jamais conheci uma pessoa com um humor tão oportuno e sagaz!

A minha tia perdeu a guerra contra um câncer de pulmão, que só apareceu em função da tristeza ao saber da doença degenerativa do filho mais novo.

A tia Teresa, na sua sabedoria e no seu amor, embora o ocultasse sempre com suas eventuais broncas rasantes, resolveu ir embora antes que o Pedro. Era para, no plano espiritual, poder acolher esse filho querido, e, quem sabe, ter condições de acompanhar o processo de cura, agora sim, infalível. Com toda certeza, seria o fim daquele sofrimento absoluto que o rapaz havia passado ao longo de oito anos.

A minha tia, mesmo sabendo que estava perdendo a guerra, resolveu ainda lutar, lutar com todas as forças da alma, porque o físico já não podia suportar mais o peso da angústia e da aflição.

Saudades, muitas saudades, da minha tia que eu tenho muito a agradecer. A começar pela visita que me fez antes do meu casamento, me levando de presente uma colcha de crochê maravilhosa. Ela não foi à cerimonia, pois, nesse dia, era a sua formatura na faculdade. E eu nem lhe dei os parabéns, pois eu achava que se graduar era algo tão natural... mas não para ela, do interior, com dificuldades imensas para se deslocar para a cidade vizinha e fazer o curso... e a minha miopia moral não me permitiu ver a dimensão do seu esforço e não entendi a nobreza e galhardia desse empenho, o desgaste, o cansaço acumulado... e a conquista tão necessária para que tivesse um pouco mais de qualidade de vida.

Ainda: o enxoval do meu filho, que ela fez, sozinha, com todo capricho e arte. Quando, após o nascimento do meu menino, e ainda na maternidade, ela foi fazer a sua visita. Olhou para o meu nenê e perguntou: “posso ver os documentos?” Cheia das dores eu disse que sim. Ela, de imediato, desembrulhou o Vinícius para olhar lhe o sexo. A única pessoa no mundo a ter essa ideia seria mesmo a tia Teresa.

As diversas acolhidas na sua casa, a comida maravilhosa, o feijão com um sabor único. O doce de abóbora, a bolachinha de cerveja guardada numa lata...

Eu passaria a vida agradecendo a tia Teresa e pedindo desculpas sinceras por não saber lhe cumprimentar pela formatura com um abraço apertado, pela visita anterior ao meu casamento e por todas as vezes que rimos juntas e pelas suas estórias de um realismo fantástico.

Que, no céu, a senhora esteja esbanjando alegria, graça, inteligência e fazendo um café gostoso para São Francisco. Que jogue canastra com o Pedro e juntos comam ovos fritos.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 08/05/2018
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