UM PADRE ENFURECIDO

Ouvi um uivo satânico, de dor ou de raiva, não sei.

Todo moleque que se prezava sonhava em ser coroinha; sonhava em vestir aquela túnica de cor vermelha com sobrepeliz branca, só para conquistar as menininhas. Participar das funções litúrgicas era como um fetiche sagrado. Sem que o padre soubesse, surrupiar algumas hóstias e tomar um pouco do vinho escondido na sacristia, fazia parte do processo.

Eu fui moleque e fui coroinha, um acólito extraordinário na função de turiferário.

Nas missas, o que me encantava, era o cerimonial envolvendo o turíbulo, ou como muitos dizem, o incensário. Hoje eu entendo, que este místico objeto possui a forma de um coração para representar o homem, e seu progresso na vida espiritual, mas naquele tempo eu queria era tê-lo na mão e vê-lo fumegar.

Eu era craque com a lida do incensário.

Dava um trabalho filho de uma puta para iniciar o processo, principalmente quando o turíbulo estava apagado e frio. Eu preparava uma fogueira, fora da sacristia. para pegar os carvões em brasa, e colocá-los dentro do incensário. Tinha que assoprar para manter as brasas incandescentes. Lembro-me que as brasas, pulando de alegria gritavam para mim:

- Assopra aí, moleque! assopra mais! Assopra gostoso que o seu soprar nos deixa doidonas!

E eu continuava assoprando e me deliciando com isso.

Na vida da gente tem muitos momentos - alguns bons e outros ruins. Os momentos de bobeira, que causam grandes confusões, são os piores.

Certa feita, proporcionei um desses momentos, tipo jogar merda no ventilador.

Frei Dionísio era extremamente metódico, intransigente e exigente. Não era nazista, mas fazia jeito. Nas cerimônias, não permitia que nada saísse errado. meticuloso em cada detalhe. Eu acho, que para ele, Deus dava mais crédito e um lugar seguro no céu a medida que a cerimônia fosse perfeita, sem qualquer erro. Ficava uma fera, fudido mesmo, quando a coisa não dava certo, e por isso perdendo alguns crédito junto ao Criador.

Por conta disso os coroinhas viviam ensaiando cada uma das funções litúrgicas.

Naquele dia eu estava de posse do turíbulo na função de turiferário.

Preparei as brasas, carinhosamente, e fiquei balançando o turíbulo, de um lado ao outro, para acomodar o maldito braseiro, que por toda a lei queria se apagar.

De quando em quando, assoprava na bundinnha delas, e elas todas ardentes suspiravam para mim:

- Ai, ai guri, teu sopro nos deixa doidinhas!

Prestando atenção nas merdas brasas acabei me desconcentrando da tarefa e deu confusão da grossa.

Frei Dionísio deu o sinal para que eu me aproximasse afim dele colocar o incenso.

Trouxe o turíbulo, ergui o suficiente para o frei colocar o incenso quando vi, apavorado, as sapecas brasas se apagando, vestidas de cinza, com as bundinhas de fora.

- Malditas brasas; mil vezes malditas! gritei a todo pulmão.

Meu grito ecoou estrondoso por toda a nave sagrada.

O frei encapetado e o povo da igreja espantado, pasmado, olharam para mim.

- O que é isso moleque? Quero respeito dentro da igreja! Frei Dionísio, avermelhado de cólera, deu a sonora bronca.

E as malditas brasas, continuaram a me provocar. Mais e mais se vestiam de cinza, mostrando suas bundinhas gritando sem parar para mim:

- Assopra, assopra, menino, que seu sopro nos faz tão bem!

Envergonhado, tentando consertar as coisas, ergui o turíbulo até a altura de meu beiço e lasquei um baita soprão.

Foi a metamorfose perfeita do céu em inferno.

Ouvi um uivo satânico, de dor ou de raiva, não sei.

De olhos estalados de pavor, o povo da igreja parou de debulhar o terço, e em debandada correria evadiu-se da missa.

O frei Dionísio, feito um zumbi, com o rosto encoberto pela cinza, cego, espumando de raiva, ali mesmo proferiu minha excomunhão.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 09/05/2018
Código do texto: T6331453
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.