CRIANDO ELEFANTE BRANCO

Já fiz muita coisa diferente nesta vida, mas existem algumas, especialmente pra quem me conhece melhor, totalmente inadequadas, quer dizer, que não tem nada a ver com o meu perfil. Pode ser que tenham ligação com raízes atávicas mais profundas, os porões escuros da nossa consciência. Lá pelos anos setenta e poucos, meu filho Tiago era ainda pequeno, comprei um sítio em Ivoti-Rs, a cidade das flores. O acesso à propriedade só vingava com tempo bom, estradinha vicinal de chão batido, sempre em mau estado. Lá estive umas três ou quatro vezes, no máximo. Ia com a mulher e o filho, estacionava o fusca e batia um papo na” venda” ou bolicho que ficava à beira da estradinha, quase em frente à propriedade, dava uma olhada no denso matagal, onde havia muitos bugios, acho até que a gente chegou a tirar uma foto, extraviada, e, passados mais alguns minutos, partia de volta a Porto Alegre, visto que não havia muito mais a fazer. Era uma viagem, ou um passeio, ao reino da fantasia ou à terra do NUNCA. O terreno deste meu sítio tinha 77 metros de largura por 1.100 metros de comprimento, quase oito hectares, subindo morro acima, até o cume. Um primo da esposa estava, então, casualmente construindo uma boa casa na área lindeira – também puro mato – fato que me animou. Mas em pouco tempo decidiu alienar sua terra, tantas as dificuldades. A ideia era “suíça”, “alpina”, ou seja, um espaço “arborizado” bem no alto de um morro, com vista panorâmica e muito ar puro, só que sem neve. Como se eu fosse do ramo. Na verdade, só dei esse passo campeiro, bucólico e arrojado, porque recebi a propriedade em pagamento de um inventário que estava concluindo, o que, acredito, pode me absolver, ao menos parcialmente. Havia uma promessa no ar de que iriam construir uma estrada asfaltada, que muito valorizaria a região. Uns três ou quatro anos depois, eu vendi a propriedade: precisava da grana e o meu sítio jamais passou de um delírio, um elefante branco destes que a gente gosta de criar e nutrir em algum momento da vida. “Chose de loque”. O interessante é que nunca mais entrei em Ivoti e não tenho a menor ideia de onde fica aquela área. Meu filho até hoje me fala naquelas nossas incríveis excursões de fim de semana, que ele, com certeza, não entendia muito bem, assim como eu também não entendo até hoje.