Antônio, Não Quero Dizer Adeus

Era um desprazer ver Antônio em plena terça-feira. Seu longo cabelo cacheado se amaranhava pela cabeça. Eu adorava os cabelos de Antônio e mais ainda a forma como ele emoldurava seu rosto como um quadro de um pintor famoso. Os olhos estavam cansados, como sempre, traziam olheiras que diziam "passei a noite toda ouvindo Belchior". O bigode e a barba escondiam os lábios rancorosos e na mão ainda carregava a tatuagem que me rendera boas risadas. Pela primeira vez eu via Antônio de botas e não de chinelos, como eu gostava de ver. Antônio me lembrava sol de manhã e sol de manhã me lembrava o sol que fazia na manhã em que eu deixara Antônio. Lembro do seu rosto em reprovação quando dizia "não toque nas coisas cheias de germes do museu" e do seu sorriso frouxo quando eu respondia "eu estou me conectando com todas as pessoas que tocaram nisso". Antônio preferiu não chorar quando me ouviu dizer que estava indo embora para não estragar tudo que aquilo que poderíamos ter sido. Agora vendo seus olhos frios pousados em mim, admito que na maioria das vezes é melhor tentar.