Der Rosenkavalier e eu

Hofmannsthal e Strauss (Richard, não o Johann das deliciosas valsas) fizeram “O Cavaleiro da Rosa” (Der Rosenkavalier em alemão castiço). Grande ópera, grande Strauss, grande Hofmannsthal!

Ouça este trio, leitor:

https://youtu.be/L0ATZ0hLaQ0

Trata-se do trio final “hab’mir’s gelobt”. Estou para dizer que é este o ponto mais alto da música do século passado. Mas não sou músico, e não o sendo, não digo. Mas que é lindo, é, non è vero? Repito: grande ópera, grande Strauss, grande Hofmannsthal!

E eu, lambuzado na minha própria vileza, trancado aqui no meu quarto de estudante pobre desejando ardentemente ser Octavian… mas vivendo como um jovem de ‘La Bohéme’. Um Rodolfo sem Mimi que sonha com uma princesa Marie Thérèse ou uma jovem Sophie.

Marie Thérèse, que personagem! A princesa e sua consciência trágica em relação à “vaidade de vaidades” que é o mundo. Um personagem que foge completamente ao padrão da moça apaixonada e ingênua (Mimi, Violeta, Michaela e, até mesmo, Tosca). Talvez a única mulher com tanta dramaticidade na história da ópera seja a Norma de Bellini (a ópera italiana da qual Wagner mais gostava), porém sem a generosidade quase estóica de Marie Thérèse.

Hofmannsthal inverte os papéis no fim do primeiro ato, e é como se estivéssemos ouvindo o diálogo entre um Hamlet ingênuo (Octavian) e uma Ofélia circunspecta e consciente do tempo que destrói: “Die Zeit, die ist ein sonderbar Ding. Wenn man so hinlebt, ist sie rein gar nichts. Aber dann auf einmal, da spürt man nichts als sie. Sie ist um uns herum, sie ist auch in uns drinnen” (alemão castiço outra vez, traduzo em um português não menos castiço: coisa estranha é o tempo. Passamos os dias da nossa vida e o tempo é nada. Mas, de repente, não sentimos outra coisa que esse nada. Está à nossa volta, e também dentro de nós). Marie Thérèse é uma mulher que fala (ou melhor, que canta) sobre o tempo com a profundidade de um Santo Agostinho. O leitor há de conhecer a famosa passagem do santo sobre o tema.

É a diferença entre um libretto banal e um libretto escrito por um grande poeta. É o que faz grandes as grandes óperas: música e palavras de gênio.

Eu continuo procurando Marie Thérèse. Mas aqui no Brasil só encontro Marias Teresas que não me encontram. Que não olham para abismo do mundo que tenho na cabeça. Eu, cansado de guerra, não as culpo. Perdôo, elas não sabem o que fazem.

Ainda uma vez, repito: Grande ópera, grande Strauss, grande Hofmannsthal!