FEIJOADA E ENGANAÇÃO

Prazer, tradição, sabor, guarda de costumes. Tudo isso justifica uma suculenta, fumegante e aromática feijoada num sábado brilhante, acompanhada de bons amigos, boa prosa, enfim, de alegria, muita alegria.

Infelizmente, nossa saborosa feijoada acha-se tão corrompida, tão deturpada que faz pena. Em qualquer boteco, biboca, barraca de feira oferece-se feijoada, sem preocupação de se respeitar pelo menos alguns fundamentos na sua elaboração.

Qualquer feijão preto ou mulatinho cozido com coisa dentro recebe o já prostituído título de feijoada. Dizem que a culpa é da globalização de costumes. Tempos atrás, gaúchos e manauaras não se arriscariam a titular seus feijões temperados de feijoada.

Hoje a bagunça até arrumou sobrenome para a iguaria. Tem-se aí a feijoada sergipana, contendo aipim, banana da terra e outros vegetais; a goiana, aromatizada com pequi. A paulista, feita com “jerked beef” importado, paio de porco preto português e outros ingredientes raffinés é de preferência servida em fina porcelana chinesa sob orientação de rica socialite, vestida de amarelo. Até os gaúchos já inventaram a deles, cozida no braseiro em panela de ferro pendurada no tripé.

Essa mesma degeneração culinária está ocorrendo com a moqueca que nunca precisou do epíteto “baiana”, pois não se admitia a existência de outra origem. Atualmente, já criaram uma bagunça com derivações geralmente de péssimo gosto, com alho e urucum (eca!).

O churrasco também é vítima dessa perniciosa distorção. Em qualquer lugar, basta um tolo de bigode vestir-se com chapéu gauchesco, lenço vermelho no ombro, bombacha, botas e ficar suando em bicas ao lado de um braseiro para dar a seu assado o titulo de churrasco gaúcho, tchê! Tampouco, a originalidade do churrasco tem de ser todo aquele luxo de uma “Churrascaria Fogo de Chão”. Por lá, o pobre freguês queda-se boquiaberto, não por fome, mas, entre o admirar da decoração, da impecável aparência dos garçons e garçonetes, da exuberante socialite loura, dos coloridos drinques etc. Os bufês oriental, italiano, árabe, de frutos do mar e os carrinhos de sobremesas, num primeiro momento, são maravilhosamente inexplicáveis. Muitos, quando se tocam de que foram ali para comer churrasco, se perguntam atordoados: “cadê a churrascaria?”

Está na hora de se resgatar a originalidade, a simplicidade e o sabor das iguarias regionais brasileiras, sempre deliciosas, quando despidas de fantasias e invencionices.

Mas, as falsidades lamentavelmente não ficam apenas na imposição das distorções. As indústrias de alimentos, principalmente as de embutidos, cometem verdadeiros crimes de enganação com seus produtos. Parece que é do conhecimento até do mundo mineral a famigerada “tecnologia” de fabricação das salsichas, tanto que Bismarck cravou sua célebre máxima de que “assim como as salsichas, é melhor não se saber como são feitas as leis”.

Não é mito! Contudo, seria inócuo insistir na divulgação da nojeira para os que ainda salivam atrás do cachorro quente.

No Brasil é muito comum e popular o consumo de “lingüiça calabresa” defumada e paio. Os dois terminam sendo a mesma coisa, com ligeira alteração de formato. Industrializados por frigoríficos, sabe-se lá com que carnes. Mas, pelo menos, uma se acha declarada em minúsculas letras na embalagem: “carne mecanicamente separada de aves”. Em que quantidade percentual? Que tipo de carne? Por que fornecê-la aos varejistas em embalagens grandes propositadas ao fracionamento? Por que não reproduzir essas informações nas embalagens fracionadas, ainda que nas mesmas microscópicas letras? Trata-se de uma descarada maneira de baratear o custo de produção, ao substituir carne suína (mais cara) por refugos, peles, cartilagens e até vísceras de aves comercialmente descartadas. Inclusive de galinhas poedeiras velhas e fora da linha de produção. É uma tremenda enganação que se estende a outros produtos como salsichas, salsichões, mortadelas, “lanches”, apresuntados, patês etc.

E, pasmem, essa prática nunca foi contestada. Por ignorância, descuido, confiança no fabricante?! Os frigoríficos – todos - ao que se sabe, praticam a mesma “tecnologia” de barateamento de embutidos. Passa da hora de uma denúncia coletiva contra essas indústrias. Primeiro, pela prática substitutiva absurda e, segundo, pela escamoteação e omissão de informações. Se for difícil levar adiante a denúncia, que se evite o consumo de embutidos contendo esses refugos de carnes mecanicamente separadas de aves.

Voltemos ao início deste artigo. A nossa feijoada, além das mal criativas distorções regionais, termina, pois, decaindo na sua qualidade final também por conta dessa enganação dos frigoríficos fabricantes de linguiça e paio empanturrados de carnes refugadas de aves, mascaradas por temperos diversos, inclusive pimenta calabresa.

Para baratear o custo das feijoadas, o cozinheiro e o dono do restaurante capricham na linguiça calabresa de restos de aves e economizam no charque, no lombinho e na costelinha defumada. É o abuso da calabresa mascarada que torna as feijoadas tão baratas.

Tem mais: há época em que esses embutidos são ofertados nos supermercados a preço de “galinha morta”. Bom desconfiar! Pode ser decorrente do excesso de oferta de galinha morta (poedeiras descartadas), mesmo!

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 19/05/2018
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