O JEGUE DA PONTE

Lá pelos anos 80’s indo de Alcobaça, na entrada de Prado, éramos - como ainda hoje somos - obrigados a passar por uma ponte de uma só pista. Dessas que só cabe um auto. Enquanto um passa, o outro, em sentido contrário, espera. Quem está já está na ponte tem preferência.

Pois foi numa antevéspera de feriado festivo em Prado que fomos lá para rever meus primos, filhos de Tia Izaura Sulz Almeida, sempre presentes àqueles tradicionais festejos. Ao chegar à cabeceira da ponte, deparamos com uma inerte fila de uma dezena de carros, caminhonetes e pequenos caminhões carregados certamente com mercadorias para o evento. Estranhamente, nenhum auto transitava em sentido contrário. Pista contrária livre? Trânsito parado na ponte. Ninguém ia nem vinha. Acompanhei a curiosidade de muitos que já estavam em pé sobre a ponte assistindo à peleja entre um jegue empacado, carregado de lenha em cangalhas, e seu impaciente condutor que tentava espancar o animal, mas não o fazia pelo protesto dos presentes.

Todos ou quase todos da platéia advogavam a ideia de que o jegue deveria desempacar numa boa. Sem tortura! Inda mais que a tortura praticada pela ditadura era castigo que deixava sombra de horror em qualquer vivente daquela época. Piedosas dondocas veranistas, com imensos chapéus ornados com coloridos lenços aproximavam-se e falavam com o animal: “meu querido jeguinho, vem aqui com a mamãe, vem!”

O motorista que conduzia o pequeno caminhão no front da minha fila sacou de sua carga uma mandioca e uma espiga de milho para tentar subornar o jegue. Nada!

O tempo passava e as filas de carros de um lado e do outro só aumentavam. Sol quente e brilhante facilitava a fotografia, sacada pelos fotógrafos de verão. Não tardou a chegar força policial, um sargento e dois meganhas. Queriam tirar o jegue à bala. Protesto geral com vaias e até ameaças de serem eles os espancados na confusão. Fugiram rapidinho.

A atmosfera divertida terminou por ofuscar a agonia da espera. Os viciados em jogo já apostavam para que lado o jegue se movimentaria. Quando o pobre animal ensaiava um deslocamento para o sul, os “saíntes”, com seus carros naquela direção, festejavam e batiam palmas. O mesmo ocorria do nosso lado quando o jegue fazia movimento em nosso favor.

Evoluíram ali duas vibrantes torcidas. A nossa, a dos “chegantes”, era a mais animada e melhor apetrechada, tinha bumbos, pandeiros e até um pistão a tocar sambas e marchinhas de carnaval. Do outro lado, em compensação, tinha vendedor de cerveja, água mineral e picolé.

A cena efervescia, ganhava sons e cores a cada movimento do jegue. Dependendo da perspectiva, ou seja, do lado interessado, um pouco pra frente ou um pouco para trás. O dono do jegue já abandonara o animal e incorporara-se aos foliões, em troca de uns goles de pinga oferecidos por uns e outros.

O jegue, incólume, parecia entender seu papel no enredo, deslocando-se ora metros para lá ora para cá. Quando o avanço ou recuo eram mais significativos, a turma favorecida gritava: agora vai, a vitória é nossa!

A atual cena política, balizada pelos índices da pesquisa de intenção de votos, trouxe-me à memória essa inusitada e divertida passagem envolvendo duas empolgadas torcidas que trocaram a adversidade e a irritação da espera por um festival de bom humor.

Ligo ao cenário político atual porque os jegues dos candidatos à presidência da república continuam empacados. As variações nas pesquisas, geralmente pequenas, estão longe de justificar os fantásticos alvoroços que se fazem em torno delas. Talvez toda essa algazarra, a cada novo resultado, tivesse a pretensão de afetar emocionalmente as torcidas, tal como fazem as “cheerleaders” de espanador colorido na mão. Lamentavelmente, estão conseguindo, com isso, a formatação de dois beligerantes batalhões, onde a troca de hostilidades, grosserias e ameaças são indignificantes para uma sociedade cidadã e evoluída.

Dá saudade a alegre atmosfera criada em torno do simpático jegue empacado que animou as torcidas da ponte de Prado. Que instituiu naquela oportunidade, sobre as águas do Rio Jucuruçu, mútua troca de francos e suaves sorrisos. Que fez um humilde e simpático jegue protagonizar cena de divertida harmonia.

Por que a disputa, os ares políticos do momento têm que ser secos, duros e poluídos pelo ódio? Torço para que o burrico da ponte seja inspiração para derrotar a empacada burrice da intolerância. Para que os agudos bicos se tornem em suaves lábios a sorrir. Que os ácidos perdigotos liberados nas agressivas bravatas sejam substituídos por mansas e poéticas mensagens de paz.

Em tempo: não importa para que lado da ponte terminou saindo nosso querido burrico desempacado. Todos transitaram em paz, cada um seu tempo, respeitando o direito do outro. Certamente, chegaram a seus objetivos cheios de felicidade.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 20/05/2018
Código do texto: T6341576
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