O casamento real

O mundo parou para assistir a mais concorrida cerimônia nupcial do planeta. O príncipe Harry, herdeiro do trono britânico na linha sucessória protagonizou cenas emocionantes ao se casar com a plebeia Meghan Markle, ex-atriz norte-americana. Tudo correu conforme o script originalmente elaborado pela realeza, sem qualquer imprevisto que viesse a macular o brilho da grandiosa e tão aguardada festa. Gente de todas as nacionalidades se ajeitou como pode na pequena e charmosa Windsor, cidadezinha onde se localiza a residência oficial do moderno e badalado casal. Absolutamente tudo foi idealizado para se lembrado por muito tempo. Dos pequenos e delicados detalhes da decoração da capela, do coral afinadíssimo, da performance impecável do jovem violoncelista, da fala enfática do carismático reverendo, da simplicidade cativante do vestido da noiva (que, como manda a tradição real e até para não destoar das antecessoras, usava uma cinematográfica tiara cravejada de pedras de brilhantes), dos convidados ilustres escolhidos a dedo, da carruagem dos contos de fadas. Enfim, um evento puramente nababesco, bem ao estilo dos bem passados septuagenários anfitriões. E para ilustrar ainda mais o espírito que tomou conta do acontecimento, a plebe aplaudindo efusivamente, muitos acampados há dias enfrentando intempéries. Afinal, os súditos precisam demonstrar, de alguma maneira, subserviência incondicional ao monarca.

Por aqui também houve casamento naquele dia. Porém, a ostentação não se equiparou àquelas do país europeu. As diferenças gritantes lá e cá remetem a uma reflexão interessante com relação às diferenças abissais entre os seres humanos. A noiva daqui, por motivos óbvios, se contentou com um vestido simplesinho, com véu e grinalda surrados, assim como a tradicional indumentária do noivo, garantidos pelo cheque caução de um familiar junto à empresa de aluguel popular de trajes. A igreja não tinha decoração floral, a velha conhecida marcha nupcial se encarregou de dar o tom levemente emotivo ao evento e o padre, com a agenda atrasada, mal proferiu as palavras ansiosamente esperadas pelos nubentes. A carruagem suntuosa foi substituída por um Del Rey quatro portas de cor branca, ano 1984, que reluzia por conta da excessiva camada recente de cera. Além dos pneus pintados com tinta preta brilhante e os rasgos no estofamento dos bancos, das latas de doces em calda amarradas no para-choque traseiro, o escapamento furado completava o despojado e barulhento conjunto. Apesar das dificuldades do novo casal, também houve festa. È bem verdade que foi um cardápio espartano, composto por sanduíche de mini pão francês com carne moída de segunda, cachorro quente com muito catch-up e mostarda, tubaína bem gelada e o bolo de dois andares, feito com muito esmero pelas tias da noiva. Não teve fogos de artifício, mas teve muita alegria, comportamento típico das pessoas humildes. Se o príncipe e sua esfuziante duquesa têm à disposição um descomunal castelo para morar, o casal daqui se abriga em uma meia-água sem reboco de três cômodos feitos com material de demolição, um verdadeiro privilégio nesses tempos de vacas magras.

Esse é o verdadeiro casamento real. Real de realidade, não de realeza. Real por condicionar duas pessoas a direitos e obrigações, representados pelos obstáculos impostos pelo cotidiano. Real pelas preocupações com o ônibus sempre lotado, com as contas de água, luz, mercado, farmácia, escola e creche para os filhos, do precário atendimento no posto de saúde. Real pela busca incessante e ingrata por uma colocação no mercado de trabalho. O verdadeiro casamento real é feito pelas conquistas da vida a dois com muita dedicação, empenho, paciência, cumplicidade e principalmente, amor incondicional entre os cônjuges. Sentimentos que têm a capacidade de transformar a mais simples choupana em castelos, onde a felicidade faz sua morada.