A parede do meu quarto

Se você vivenciou a passagem de um século para o outro sabe o que é se recordar de um período de sua vida, em que você vivia em um calendário de “100 anos” atrás, você se sente personagem de antanho.

O patrono da família adquiriu um projetor doméstico, que trouxe em seu bojo três filmes: mudos, em branco e preto, e com astros dos quais nunca alguém já ouvira falar.

Ficou muito marcado na minha memória o filme de Tarzan, e hoje, depois de ler Darwin, a desconfiança é de que o herói foi a origem de tudo: o “primata primeiro”., e a dúvida se instala, aquela Cheeta era o macaco, ou a irmã do Tarzan?

A evolução é inexorável, e logo depois aparece a televisão no Brasil, e com ela chegaram Raul Gil, Lolita Rodrigues, O Direito de nascer e outros, dos quais só elefantes poderiam se lembrar.

Não havia controle remoto, e o dial para horizontal, e o dial para o vertical, não eram especificações modernas; tentavam impedir que a tela girasse para o lado, ou para cima, ou para baixo... sem parar. A cada vez que a tela disparava, e como ela disparava assiduamente, eram incontáveis as vezes que buscávamos aqueles diais, que se diziam corretores da imagem.

A tela era de 19 polegadas, a maior, e não era raro confundirmos o Costinha com o Walmor Chagas, a imagem era horrível, por mais que Alberto Limonta tivesse uma bela estampa.

O número de galãs era limitadíssimo, e com freqüência o “mocinho” de uma novela, era o vilão da novela seguinte, eram todas obras ficcionais, e se não fosse assim, a degeneração genética teria a televisão como causa primeira.

O mundo não para, nem a evolução, acredito que, muito em breve, as casas serão construídas ao redor dos televisores, como eles cresceram; logo o tamanho da tela deixará de ser em polegada, para dar lugar a metros quadrados. Nunca eu saberei usar de todas as especificações: 4K, Led, Smart, que eu nem sei o que significam, se algum desses recursos for um palavrão, eu nunca me sentirei ofendido.

Consumista por vocação, e capitalista por ordem da sociedade, coloquei um aparelho enorme no meu quarto, antes só meu, agora é o nosso quarto: meu e daquela coisa imensa que assumiu toda a parede do cômodo; não posso deixar de comentar a dificuldade que foi passar com aquele aparelho pela porta da mina sala de dormir, antes chamado de quarto.

Em jogos de futebol o campo cabe, em tamanho oficial, na tela; jogos de tênis deixam a quadra parecendo jogo de botão.

No filme Forrest Gump, o excelente Tom Hanks caminhou de um canto, até o outro lado da televisão, e, cansado, pediu para que o filme terminasse. O circuito das maratonas cabe, em toda sua extensão, naquela tela infinita, que só mesmos corredores africanos conseguem percorrer.

Tenho me perguntado... para que fui comprar outra parede televisiva para o meu quarto? Tenho ficado zonzo olhando para uma imagem, que meus olhos não conseguem dominar na totalidade; uma tela que cobriu a fotografia do meu neto na parede, um quadro pintado por minha filha, o espelho da parede, o porta-toalhas da parede, e tenho me questionado; será que eu não deveria ter medido o quarto... antes de comprar aquela televisão, que quase rouba meu lugar no quarto?

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 29/05/2018
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