Veríssimo e os chatos

Como estou sem assunto, necessitando ler algo divertido lembrei de uma crônica de Luis Fernando Veríssimo, para mim o melhor cronista do Brasil. Ri tanto lendo essa crônica que, poke!, a asma bateu e tive que usar a bombinha, aí, repito, sem assunto, resolvi transcrever a crônica desse arretado cronista:

DOS CHATOS

Luís Fernando Veríssimo

"Há chatos e chatos. Há o chato pegajoso, o chato que telefona muito, o chato que cutuca. Há o enochato, que faz questão de que você saiaba que ele sabe tudo sobre vinhos, e o ecochato, assim chamado porque se preocupa demaiscom a ecologia ou porque vive se repetino como um eco. Há po egochato, cujo único assunto é sua própria saúde, ou falta dela. Há o chato invasivo, que fala a centimetros do seu nariz, e o chato hiperglota, que não para de falar. Mas também há - embora seja raro - o chato que se flagra, que tem consciência de que é chatoe quer se regenerar, e que diz muito: 'Eu stou seno chato? Hein? Hein? ', e portanto o pior chato de todos.

"Tem o caso daquele chato com autocrítica que decidiu pedir ajuda, ma não sabe quem procurar. Chatice não se cura com remédos u com exercícios, muito menos com cirurgia. Não existem clínicas para recueração de chatos. O que fazer? Nosso chato resolveu consultar um psicanalista.

- Éque sou chato, dutor, e sei que sou chato.

- Deve ser alguma coisa a ver com sua mãe.

- Minha mãe? Por que minha mãe?

- É que na psicanálise sempre partimos d hipótese de que, seja o que for, a culpada é a mãe. Facilita o tratamento. Mas fale da sua infância.

- Bem, na escola meu apelido era 'Sarna'. Também me chamavam de 'Desmancha Bolinho'porque assim que eu chegava num grupo, o rupo se desfazia.

- Sua família também o achava chato?

- Nao sei, Mas desconfiei quando, nos meusdezoito anos, eles me deram as chaves de casa eem seguida mudaram todas as fechaduras.

- E sua vida amorosa?

- É normal, eu acho. Até me casei, embora minha mulher alegue que meu pedido de casamentoa fez dormir e que só saiu do estado comatoso no altar, onde teve de dizer 'sim' para não dar vexame. Hoje vivemos bem, em casas separadas, apesar de eu só poder visitá-la nos dias 29 de fevereiro, se ela não mandar dizer que não está. Tivemos um filho que eu ninava quando era bebê, mas ele fingia que dormia para eu parar. É o efeito que eu tenho nas pessoas, doutor.

"Ser chato é uma fatalidade biológica ou a chatice é um produto do meio? É possível deixar de ser chato com algum programa de reorientação? É o meu tom de voz que chateia o que digo? Ou as duas coisas juntas? Hein, doutor? Doutor...? Doutor? Acorde doutor".

P.S. Esse Veríssimo é um arretado. Definiu os chatos. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 01/06/2018
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