ONOFRE

Na década de setenta, Brasília expandia-se em urbanização e construções. Prédios oficiais, novos bairros, casas no Lago Sul, programas habitacionais etc. Onofre foi um dos milhares de migrantes nordestinos chegados a Brasília em busca de trabalho na construção civil. Rapaz com vinte anos, religioso, de boa índole, esforçado em fazer e aprender. Manifestava sempre saudades de sua terra natal, São João da Serra, no Piauí. Lá deixara sua mãe viúva lutando para sobreviver com o suor pingado nas roças emprestadas.

No seu radinho de pilha e tocador de fita cassete, ouvia, nos sopros da noite, Luiz Gonzaga e conterrâneos, tecendo sonhos e lembranças de Luiza. Cheirosa, como a tratava nos momentos de afago. Era sua eterna namoradinha, ou noiva, como a considerava. Seus devaneios, não raro, lhe levavam aos prantos.

O dinheiro que ganhava como ajudante de pedreiro era a conta para a alimentação e aluguel de um quarto em pobre barraco, no Núcleo Bandeirante/DF. Ainda assim, conseguia enviar para sua mãe e para Cheirosa alguma sobra obtida por conta de horas extras e bicos, nos fins de semana, pela lavagem de pratos e panelas no boteco vizinho, de seu Gidé.

O sonho de Onofre era ter Cheirosa com ele Brasília, esposá-la e arrumar-lhe um bom emprego, ainda que fosse de doméstica ou cozinheira. Enquanto isso, continuava a se ralar para amealhar sempre um pouco mais de dinheiro e converter o sonho em realidade. Com o tempo, largou o ofício de ajudante de pedreiro. Passou a trabalhar apenas no boteco de seu Gidé, onde viera a ganhar por comissão.

Não o desanimava cartas recebidas de parentes e amigos dando conta das estripulias e infidelidade de Cheirosa. A namorar uns e outros e a gastar o dinheiro, dele recebido, com os namorados de ocasião.

Seu Gidé, dono do boteco, fumante inveterado, tinha a saúde abalada. Respirava mal e cansava-se por nada. Logo, converteu Onofre em gerente (faz tudo) de seu negócio.

Com isso, Onofre propôs a Cheirosa empregá-la no boteco. Mandou dinheiro da passagem e dos gastos de viagem. Ela chegou e agarrou com vontade seu amado e suas novas funções.

Tudo ia muito bem. Melhorou com o falecimento de seu Gidé que, sem herdeiros, terminou doando o boteco a Onofre, como agradecimento pelos favores recebidos durante o tempo em que passara acamado.

Os dois pareciam pombinhos em ninho de felicidade. Ampliaram e melhoraram bastante o estabelecimento. Já vendiam pratos feitos, “quentinhas” e caldos. Acumulando economias, Onofre comprou um táxi e deixou o boteco mais sob a administração de Cheirosa. Rodava preferencialmente à tarde, retornando pelas oito da noite.

Amigos e vizinhos alertaram-no para possíveis traições de sua esposa com fregueses. Ainda que descrente, certo dia, chegou em casa mais cedo e a flagrou em pleno ato de traição. Sem violência, nem escândalo, Onofre mostrou a Cheirosa toda sua dor e indignação. Chegou a sugerir sua volta ao Piauí. Desculpas, pedidos de perdão e promessas de nunca mais repetir o pecado foram suficientes para contornar o desconforto.

Não passara um mês, Onofre viria e flagrar nova traição de Cheirosa. Desta feita, ela mesma pedira para voltar a cidade natal e terminar com o casamento. Venderam o boteco. Cada um se satisfez com metade do valor da venda. Onofre, em seu táxi, ainda foi despachá-la no aeroporto, com destino a Teresina/PI. Mas, prenhe de amor e amargura.

Cheirosa ficou por Teresina, mesmo, desistindo de voltar a São João da Serra. Consumiu todas suas economias em farras, bebedeiras e rodas de consumo de drogas. Nem quatro meses haviam se passado e Cheirosa já perambulava perdida pelas ruas, magérrima, suja, maltrapilha e doente. Penava como esmoler.

Por seu turno, Onofre jamais se casara, tampouco tivera qualquer relacionamento afetivo com outra mulher. Resignava-se na saudade daquela que sempre amou. Ao saber da situação de Cheirosa, não hesitou em viajar a Teresina. Acolheu-a no hotel onde se hospedara. Banho, perfume, roupas novas, salão de beleza, refeições de primeira categoria e até tratamentos médico e odontológico foram as providências primeiras adotadas para recuperar a nunca esquecida companheira.

Com dez dias de bons tratos, tomaram o avião de volta a Brasília. Aninharam-se em novo endereço, longe dos antigos vizinhos. Cheirosa rapidamente resgatava sua formosura. Viviam, agora, da féria de cada dia obtida por Onofre, como taxista.

Certa noite chuvosa, cansado do trabalho iniciado pela madrugada, Onofre chegou em casa e deparou, como nunca mais imaginara, com a cena de sua amada debaixo de lençóis com um estranho.

Tomado de ódio, pegou na cozinha uma grande faca peixeira e – entre soluços de choro - sangrou sua amada com inúmeros golpes. Ajoelhado sobre o sangue, chorava e rezava sem parar, pedindo a compreensão e o perdão de Deus.

Pegou doze anos de prisão na penitenciária da Papuda. Saiu em liberdade condicional, por bom comportamento, após um terço da pena cumprido. Tentava reconstruir sua vida como começou, fazendo massa e carregando tijolos.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 05/06/2018
Código do texto: T6356176
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