A LINDA SERRA DOS PRETOS FORROS

A LINDA SERRA DOS PRETOS FORROS

Nelson Marzullo Tangerini

Em janeiro de 2001, quando estive em Diamantina, fui para a rua com a minha câmera com a intenção de fotografar toda a cidade onde viveram JK e Chica da Silva. E até escrevi uma crônica, “Foi em Diamantina”, sobre o comentário racista de um senhor diamantinense.

De Belo Horizonte a Diamantina, encarei mais seis horas de viagem, passando por Curvelo, Gouveia, Serro Frio, entre outras cidades.

Queria conhecer de perto a Serra do Espinhaço, uma das maiores muralhas de pedra do Brasil, o Beco do Mota, onde estiveram os rapazes do Clube da Esquina, Milton Nascimento, Fernando Brant, beto Guedes, Lô Borges, Márcio Borges, entre outros compositores mineiros, e o Caminho dos Escravos.

O caminho dos Escravos, tombado pela UNESCO, começa numa das inúmeras ruelas do centro de Diamantina. Comecei minha caminhada ali. Até o caminho ficar mais pedregoso e difícil. Contam os diamantinenses que os escravos caminhavam por ela descalços. E, sobre suas costas, inúmeros sacos de diamantes. Acompanhando os escravos, iam seus algozes, chicoteando-os, enquanto suor e sangue escorriam de seus corpos.

A partir daquele local, resolvi pendurar minhas botas em minhas costas e caminhar descaço sobre aquele chão pedregoso e sagrado. Enquanto isto, fotografava Diamantina, suas pedras e plantas típicas da região. O sol de janeiro era rigoroso na Serra e eu acabei ficando todo avermelhado.

Diamantina é assim, no verão: muito quente de dia e frio à noite.

Sou morador de Piedade, subúrbio do Rio de Janeiro, bairro com vista para a Serra dos Pretos Forros, mais conhecida como Serra de Água Santa. A referida Serra marcou toda a minha vida, como a Pedra 7, e penso que a referida Serra, onde várias vezes estive, quando menino, atravessando-a, até chegar à Estrada Grajaú-Jacarepaguá ou até ao Largo do Tanque, seguindo pela Estrada da Covanca, foi a minha primeira namorada. Talvez venha daí a minha paixão pelas serras.

Dizem os antigos que os escravos alforriados dos engenhos, Engenho de Dentro, Engenho Novo, Engenho da Rainha e Engenho Velho, após libertos, foram morar na Serra de Água Santa, que ganhou, assim, a nome de Serra dos Pretos Forros.

Para irmos mais rápido ao assunto, cito dados da Wikipédia, que diz que “O nome do bairro, Água Santa, tem sua origem a partir da descoberta, no ano de 1888, da segunda fonte hidromineral do estado do Rio de Janeiro”.

“Domingos Camões, responsável pela descoberta, era um escravo recém alforriado que, a partir de 1909, iniciou o engarrafamento desta água, feito artesanalmente e utilizando embalagens de vinho de 5 litros. Essas garrafas eram transportadas em lombo de burros e entregues de porta em porta aos moradores da região.

Aos poucos, essa fonte d’água conhecida nos arredores como “Água Santa” passa a designar o próprio nome do bairro: Água Santa.

Em 1914, surgiu a empresa de Águas Santa Cruz Ltda., que se mantém até os dias atuais, no bairro Água Santa, que perpetua o nome da fonte”.

O Caminho dos Escravos, de Diamantina, foi reconhecido como um lugar histórico. Por que não poderia acontecer o mesmo com a Serra dos Pretos Forros, hoje ferida por uma pedreira que levou uma boa parte dela, o que incomodou por muito tempo os moradores do bairro.

Com a construção da Linha Amarela, a pedreira foi abandonada. E, naquele espaço, onde havia uma fatia da Serra, nada foi construído. Um buraco imenso virou um lago, que também não mais existe. Ali podia abrigar um centro cultural, um bairro novo, um hospital, uma universidade ou qualquer coisa do tipo.

Deixo aqui, portanto, a minha ideia: o que poderíamos fazer pela Serra dos Pretos Forros? Ela precisa ser tombada; precisa, inclusive, de reflorestamento sério. O que poderíamos fazer pela memória daqueles seres humanos que foram capturados em África, trazidos para o Brasil , onde se tornaram escravos e trabalharam exaustivamente e de graça para seus senhores? Sob chicotes, foram humilhados, tratados como raça inferior e nunca foram indenizados.

Esperamos uma solução inteligente e humana para este lugar histórico, porém esquecido.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 05/06/2018
Código do texto: T6356706
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