Sob o Mesmo Sol

Bom...

Pra começar essa história, eu preciso falar um pouco de mim mesmo antes. Até porque existe um “eu” antes e outro “eu” depois de tê-la aqui.

Eu sempre tive crenças um pouco diferentes do que é comum.

Eu sempre acreditei em um monte de coisa. Na mesma proporção que acreditava, preferi não dar ouvidos pra uma serie de outras coisas. E nós acabamos sempre pagando caro pelas nossas escolhas, crenças e principalmente palavras.

Ja dizia o poeta (ou o psicanalista, se quiserem creditar de verdade) que o homem é dono apenas do que cala. Já o que fala...

Enfim, ser mais um no meio da multidão nunca foi meu estilo, embora nunca tivesse demonstrado habilidade suficiente pra me destacar em alguma coisa. Até que resolvi escrever uns textos e nunca mais fazer a barba.

Sempre acreditei que na sola do meu sapato mais velho tem mais conhecimento que nas paginas de um livro e que meia duzia de fotos que estão na estante tem muito mais história do que um museu inteiro.

Enquanto eu acreditava cegamente nisso, minha vida sempre foi marcada por idas e vindas. Algumas pessoas se foram, outras apenas passaram, outras estão desde o começo e vão ficar até o fim, outras irão embora e algumas outras chegaram. Talvez pra ficar e talvez pra partir.

E eu não estava ligando pro que iam dizer, nem queria muitos conselhos sobre o que fazer. Aliás, nem eu sabia o que ia fazer da vida. E talvez não saiba ainda.

Os ponteiros aparentemente passaram a girar mais rápido do que eu pudesse acompanhar. E de repente me vi com um diploma nas mãos, um trabalho razoavelmente estável e uma pressão fora do comum. Preferi ignorar o que não me importava e então...

Preferi sentar na sala e ocupar a mente com tudo aquilo que estivesse na iminência de conquistar. A iminência da conquista me mantém mais vivo do que nunca.

E como um quebra cabeça, as pecinhas coloridas vão se encaixando sobre as cinzas, formando um lindo desenho.

Aliás, põe essa pecinha ali - aponto o dedo pra onde eu vejo que tem um espaço sobrando. Entrego a peça e aproveito pra por minhas mãos sobre as dela pra senti-la mais um pouco antes de apertar o nó [da garganta] e injetar uma pequena dose de saudade enquanto seguimos pelo meu novo caminho favorito.

Como assim? - devem estar se perguntando.

Ela chegou.

Ela esteve quase ao meu lado nos últimos cinco anos. E eu, absorto, não reparei. Ela, ocupada e ansiosa, também não havia notado. Muito pelo contrário.

Mas ela chegou.

Ela parecia fria, fechada, talvez engajada em algum projeto que eu sequer imaginava ou alguma coisa do tipo. E, de fato, estava. Era como se ela estivesse sempre um passo na minha frente e, na medida em que eu caminhava daquele jeito, jamais poderia alcançá-la. Não que eu quisesse, porque não queria. E ela também não fazia questão de ser alcançada. Não por mim.

Pra mim estava bom do jeito que estava.

Até então eu tinha minha vida desenhada e pra ser sincero, não esperava grandes mudanças.

Exceto uma delas - que queria. E queria muito. Precisava.

Eu já tinha pensado em tudo e na ingenuidade dos 20 e poucos anos, achei que já estava tudo certo. Aliás, resolvido. Certo não. Já ela, passos à frente, aparentemente também levava a vida que esperava. Mas também queria uma mudança. E queria muito. Também precisava, mesmo que não soubesse.

Ainda.

Caminhos - e histórias - tão próximos e ao mesmo tempo tão distantes. Proximidade essa medida em metros e em semelhança.

Pra ser bem sincero, eu não sabia muito bem quais notas ela tocava, mas sabia direitinho com que cabo eu tocava a minha vida e qual era minha melodia favorita.

E, então, como sempre, os dois caminhos (ou histórias, se quiserem chamar) que nunca haviam se encontrado se separaram mais um pouco, engrandencendo [ainda mais] a distância.

Mais que isso, dando margem e oportunidade pra outros personagens fazerem parte da história - inclusive coadjuvantes de destaque ou antagonistas daqueles que ninguém gosta, sabem?

No final das contas, parabéns aos atores também. Atuaram tão bem - principalmente nos bastidores - que enganaram todo mundo e são repudiados até hoje pelo nosso público.

Mas vamos tomar nosso rumo e mudar de assunto. Porque de passado, por favor, só o café que nos espera na mesa pela manhã.

Então, naquela hora, lembrei que desconhecia o que tinha acontecido com ela. E desconheço, mesmo. Ela também nem imaginava por onde eu andava. Aliás, se nem eu mesmo sabia direito, quem poderia saber?

Entretanto, me lembro muito bem o que havia acontecido comigo, mesmo sem saber onde estava.

E cá estamos: vivos e bem.

Quando choveu por uma semana seguida, a partir daquele sábado a noite, eu achei que nunca mais faria sol. E se a ingenuidade dos 20 anos bateu antes, por que não agora?

De alguma forma eu sempre fui minha própria personalização. Das minhas vergonhas, fraquezas e decepções. Do meu jeito autêntico, do meu ímpeto e das minhas conquistas.

Quem já sofreu (por qualquer motivo que seja) sabe que é preciso reciclar a dor.

Encontrar um subterfugio e partir. Hoje não existem mais falsas promessas, nem mesmo o doentio interesse por moedas e honrarias.

Hoje, só existe o que de mais puro habita em mim.

E nas entrelinhas eu poderia escrever que a audácia dela sempre me chamou a atenção. Mulher firme, determinada. Menina meiga, de um sorriso difícil [que tornara-se fácil]. [eu] Desconhecia essa faceta. E segundo ela, ela também.

É como o adolescente que deu o primeiro beijo na saída da escola. A sensação é essa.

Ela apareceu num dia onde o comum seria desaparecer.

Ela dividiu um monte de cerveja comigo quando o comum seria eu tomar tudo sozinho.

Ela chegou na festa trazendo consigo um gosto doce pros meus dias mais amargos.

Estar com ela é a certeza de que vai fazer sol. Nela, o sol nunca é desfeito.

Me faz perceber meus alter ego tristonhos, por não precisar mais usá-los.

Estar com ela é conhecer o mundo inteiro, mas nunca parecer estar longe de casa.

Estar com ela não é simplesmente virar uma página do meu livro favorito. É ler, compreender, entender e então fazer questão de explicar pacientemente todo o conteúdo.

É não dever prioridades. Ser o ponto de partida e o ponto de chegada.

É ver o mundo se acabar em poesia e poder descansar na melhor esquina de todas.

É guardar o coração com carinho e cuidado, cuidar bem das costas e poder esticar as pernas.

É testemunhar a felicidade e mais vários outros bons sentimentos pessoalmente.

É o amor da forma mais pura.

É daqueles sentimentos que não se explica, não se mede, nem se pesa, apenas se sente e se toca de uma forma que continue o mais leve possível. É a definição daquilo que sonhamos, esperamos e queremos, tudo isso refletindo a imagem de outra pessoa. O amor está em qualquer lugar e acredite... ele pode vir de onde menos se espera.

E veio. Vamos?

Encontrei pelo caminho, meio sem querer.

Se alguma coisa eu aprendi nessa caminhada é que tudo é relativo. Inclusive os horizontes.

Para que os horizontes de duas pessoas sejam os mesmos, elas precisam estar lado a lado. [e acredito que estamos].

E isso tudo por um motivo. Um único motivo.

Bom, o motivo tem nome, sobrenome, endereço e um sorriso lindo que me desmonta. Estava me ajudando a montar o quebra cabeça, no começo da crônica. A mesma que, versos depois, estava colocando doçura no meu mundo, deixando tudo mais gostoso. E que ainda, linhas depois, eu assumi ter encontrado pelo caminho e chamei pra vir comigo onde eu não queria estar com mais ninguém.

E então, se somos um unico sentimento compartilhado entre duas pessoas, eu queria te dizer as três palavras mais nobres do meu singelo vocabulário. Devo?

[eu te amo.]