Segunda chance

Seis horas da tarde de uma quinta-feira feira estafante. Saio pela porta do Grand Edifício Empresarial afrouxando a gravata que me sufocava, tiro o paletó como se tirasse o peso dos ombros. Sinto uma gota fria a cair sobre minha cabeça, olho pro céu e a constatação: - Vai chover! - Não me faltava mais nada. Atravesso a rua correndo tentando fugir da chuva, em direção ao Lux Pub, afinal de contas hoje não seria um mau dia para um happy hour.

Abro a porta e vejo que a maioria das pessoas dos mais diversos escritórios do Grand Empresarial, também tiveram a mesma ideia que eu. O lugar estava lotado! A maioria das mesas ocupadas por grupos de amigos brindando com as canecas cheias de chopp, alguns casais nas mesas para dois e alguns poucos lobos solitários como eu.

Vou em direção ao balcão de mármore com madeira entalhada, que dava um ar rústico ao local. A iluminação do lugar era propositalmente aconchegante e ao mesmo tempo, mantinha a discrição dos frequentadores. Sento-me junto ao bar e peço uma caneca de chopp (talvez precisasse de algo mais forte, que me esvaísse as ideias). Dei longos goles que esgotaram rapidamente o conteúdo da caneca, me fazendo pedir outra em seguida. Enquanto me concentrava em esquecer a discussão anterior com o chefe, não pude deixar de notar a conversa que ocorria logo ao meu lado.

Haviam dois homens numa discussão que me parecia bem séria. Notei que o primeiro deles trazia grande pesar nos olhos. Cabisbaixo não conseguia encarar o homem à sua frente. As mãos trêmulas, com os dedos entrelaçados, como se fossem seu único apoio. Parecia um animal indefeso.

Passei a tomar o chopp lentamente, tentando sorver as palavras que soavam daqula conversa. Pensei em todas as situações que o levaram até ali, quais os motivos que o trazera a esta conversa tão séria e que me parecia tão difícil.

- Eu preciso de uma chance! - o homem se exaltou.

Chance...segunda chance. O que haveria feito, para suplicar uma nova oportunidade? A pergunta ficou martelando em minha cabeça. O homem cabisbaixo pela forma que falava, parecia estar arrependido seja lá o que ocorreu. O outro parecia relutar sobre o pedido.

A conversa continuou por alguns minutos neste impasse, fazendo-me esquecer momentaneamente daquilo que tanto me atribulava, concentrando-me apenas naquele diálogo.

Conforme ouvia, me colocava em seu lugar: alguns anos na prisão, um arrependimento e uma súplica. Mas ao mesmo tempo o outro lado: como perdoar e confiar?

O segundo homem era seu antigo chefe. Mas percebi que os laços eram mais estreitos do que apenas empregado-patrão. Eles eram amigos e o elo de confiança havia sido quebrado. Como recuperar o que se foi?

Olhei pela janela e vi que a chuva havia diminuído. Essa era a minha oportunidade de ir embora. Pedi a conta, enquanto pensava no desfecho daquela conversa. Peguei o paletó que estava na cadeira, acenei com a cabeça para os dois homens e saí rumo a porta. Caminhei lentamente em direção ao metrô, com a chuva fina acompanhando meus passos. Os pensamentos tais quais e quantos como as gotas ligeiras, não se aquietavam. Escrevi mentalmente, mil roteiros para a cena que presenciei. Mas a vida, diferente dos roteiros que podem ser reescritos, não contém uma borracha que apague seja lá qual for o erro cometido. Mas podemos sempre virar a página e escrever uma nova história, sendo o lápis que o fará na vida de alguém.