THE WALKING DEAD BRASIL

Me perguntaram se fiquei com medo no dia que o Brasil parou por dez dias. Eis que respondo: Medo e indignação.

Acordar pela manhã deixar o carro na garagem por falta de combustível, embora tenha sido essa a grande desculpa para muitos deixarem de sair de casa, para mim, não foi o fator preponderante que me fez recolher.

Nas redes sociais não paravam de circular mensagens de apoio ao movimento grevista e outros contrapontos. Foi um verdadeiro show de vídeos e áudios de gostos variados que falavam da greve dos caminhoneiros. Mas afinal, o que estaria por detrás deste movimento que se estendeu por todo o país, que embora tendo alcançado o objetivo reivindicado, não cessava?

Minha indignação não foi a greve. Não foi a luta pela conquista dos direitos dos caminhoneiros. Minha indignação era ver que enquanto o povo sofria com a falta de combustível e alimento na mesa, lá do palácio a farra continuava. Enquanto as estradas estavam vazias o céu se enchia de jatinhos particulares levando “os canalhas” para suas lindas mansões em belas ilhas de nosso país. Minha indignação era saber que o movimento grevista atingia tão somente o povo trabalhador. As empresas fecharam as portas, as escolas suspenderam as aulas, os mercados ficaram vazios, os produtores rurais sacrificavam a criação e alimentos iam para o lixo, enquanto o povo trabalhador não tinha mais o que colocar na mesa.

Senti medo quando percebi que a greve tinha alcançado seu objetivo e ainda não tinha parado. Senti medo quando vi nas praças “orelhas secas” pedindo a queda do governo e uma intervenção militar. Senti medo porque sabia que por detrás de tudo isso haviam forças de extrema direita que só queriam a derrubada do governo, usando os pobres caminhoneiros como “mulas” para conseguirem através deles serem os novos detentores do poder, assim como ocorreu no Chile em 1972, com uma greve de caminhoneiros que durou 26 dias, e posteriormente, no ano seguinte, culminou a derrubada de Allende.

Senti medo, quando percebi que o exército estava na rua com segundas intenções e que a retomada, se por ventura acontecesse, faria de nossas praças e ruas um verdadeiro pandemônio.

Com a greve chegando a seus dez dias de paralisação já podia imaginar as consequências do caos se isso perdurasse por muito mais tempo. Uma multidão de gente com martelos e foices nas mãos lutando uns contra os outros desesperados pela subsistência. “A fome quando ferra nos faz feras”, lembrei das palavras de Mia Couto. Cenas horríveis, mas que possíveis me passaram na cabeça. Correrias, saques, gritos, gemidos, lutas, sangue, mortes, antropofagias. Cenas que até então só se veem em filmes e séries de televisão, quando não, em países onde a fome, a guerra, o desespero e a desordem se fazem presentes.

E o governo? Afugentado fugindo, como ratos que abandonam o navio antes dele afundar, enquanto a “nova ordem” se estabeleceria às custas das vidas daqueles que influenciados ou mal informados foram às ruas apoiar um movimento que não era legítimo. Voltar a era da censura, da institucionalização da tortura e da suspensão das garantias constitucionais, não me parece a melhor maneira de se mudar um país.

Se me perguntarem novamente, se tive nesse período de greve, “algum medo”, responderei: Sim, eu tive medo.

Paulo Roberto Fernandes
Enviado por Paulo Roberto Fernandes em 16/06/2018
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