HERMANO DOMINGUES

Hermano, brasileiro, extensionista, mestre em sociologia rural. Embora afável, alegre, simpático e contador de anedotas, era inarredável em suas posições a favor do campesinato e da produção rural familiar.

Fez seu mestrado na Costa Rica. Sua dissertação compreendia comparação entre as políticas públicas brasileiras e costarriquenhas de assistência aos pequenos produtores. Não se tratava de um trabalho de gabinete. Registrava observações e graus de satisfação ao nível dos pequenos produtores.

O elevado valor social de seu trabalho teve custos. Pessoais, na maioria das vezes. Vale a pena relatar um hilário episódio que lhe ocorrera, durante a pesquisa.

Na busca de respostas às suas questões sobre produção rural familiar e qualidade de vida, viajava solitariamente pelos grotões costarriquenhos, a bordo de um jipe. Levava consigo uma barraca de náilon e outros itens de acampamento e sobrevivência. Quando as tempestades permitiam, pernoitava acampado. Se não, adormecia recostado na poltrona do jipe.

As tempestades tropicais na América Central costumam ocorrer no final da tarde e são pouco previsíveis. A mais violenta delas, vivida por Hermano, ocorrera quando tentava ultrapassar uma montanha para atingir o próximo vale. Trilhava uma precária estrada de terra. Chuva torrencial, rajadas fortes de vento frio e piso escorregadio não permitiam um perfeito controle do veículo, apesar de tracionado nas quatro rodas. Qualquer distração levaria ao barranco ou abismo.

Naquele momento, fez falta conhecer uma boa oração ao Anjo da Guarda para conforto, esperança e confiança. O jeito foi concentrar-se na paciência e cautela. A manobra para retorno seria de alto risco. Avançava alguns metros, parava, aguardava e prosseguia.

Nessa toada, galgou o pico da montanha, onde fora surpreendido por um sobrado tipo medieval, com paredão frontal coberto de heras. Para alcançar a entrada, fazia-se necessário subir um pouco mais ziguezagueando entre belo e bem cuidado jardim, sobre terraços. Ao centro, destacava-se uma fonte de água corrente vertida de ânforas sustentadas por anjos.

A noite ainda não chegara, apesar da claridade já bem comprometida. Prosseguir a viagem significava enfrentar, provavelmente, íngreme descida em estrada igualmente estreita e lamacenta.

Pelos aspectos externos e jardins conservados, o sobrado parecia habitado e por gente caprichosa.

O largo portão de entrada, arcado em ogiva, com espessas dobradiças metálicas, lembrava algo medieval. Um pequeno alpendre com telhas coloniais em dupla água dava proteção contra chuva a quem se aproximasse. Ao lado, alavanca articulada na parede com pequena corda pingente sugeria ser uma rústica campainha. Encorajado, ao primeiro hiato da tempestade, Hermano pulou do jipe, puxou a cordinha e ouviu um sonoro sino no interior.

Uma voz feminina, saindo de um tubo de voz aberto em funil, de pronto, indagou quem era o visitante.

- Hermano, senhora!

- Quem?

- Hermano Domingues. Trabalho junto ao campesinato, às pequenas famílias de produtores rurais... (nem conseguiu prosseguir na auto-identificação).

- Bem vindo, Hermano Domingues. Adentre com seu veículo pelo portão de garagem trinta metros à sua esquerda!

Fazia sentido a oferta da garagem. Por ali ninguém chegava a pé. Muito menos, sob tempestade.

Irmã Clarice, Prima Sóror do convento Nossa Senhora das Mercês, deu-lhe as boas vindas. Indagou-lhe sobre sua confraria. Hermano pouco sabia sobre santos. Muito menos de organizações religiosas. Nem sabia rezar direito! Para não perder as boas vindas, rebuscou algo na memória e supostamente fora do conhecimento da freira.

Lembrou-se de uma estada em Alcobaça/BA, hospedado no Hotel San Bernardo. Era ocasião da festa do santo padroeiro da cidade, São Bernardo de Claraval. Como maçom, também visitou a Loja local – Cavalheiros do Claraval. O nome do santo fixara em sua memória.

Assim, sem engasgar, inventou ser membro da Confraria São Bernardo de Claraval.

- Maravilha! - exclamou Irmã Clarice - São Bernardo de Claraval é o santo padroeiro dos agricultores e, lógico, do campesinato também!

Contudo, disse não conhecer a confraria citada. Mas, pelo nome, presumia seu valor e a grandeza dos trabalhos conduzidos por inspiração cristã.

Tomado como “Irmão (religioso) Domingues”, missionário em nobre trabalho, foi alojado no convento com mimos e honras. Abrigo, cama macia e cobertores. Sobre um aparador de bronze e mármore, bacia de louça e jarro de água morna com gotas de essência cítrica. Ainda, sabonete perfumado – certamente artesanal - toalhas grandes e pequenas de asseio. O banho era tomado com toalhinhas molhadas ensaboadas, seguido de toalhinhas de enxágüe sem sabão e grande toalha seca para enxugamento. O sanitário ficava na ponta de um corredor e era do tipo fossa direta.

Quase tudo sem o conforto moderno. A energia elétrica, produzida por um pequeno gerador a gasolina, era limitada à iluminação da cozinha e do refeitório, pelo período de duas horas. Os aposentos e corredores faziam-se iluminados por lampiões a querosene, apoiados ou pendurados.

Jantou e dormiu como raramente. Dia seguinte, faltou de propósito à reza matinal do terço. Tomou café na mesa coletiva, respondeu amém à oração pelo alimento e partiu com dia já ensolarado.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 16/06/2018
Código do texto: T6366132
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