SEU SILÓ

Por muitas agradáveis vezes, compartilhei o conforto das águas termais da Pousada do Rio Quente com um simpático goiano de cabelos ralos e bem branquinhos, pele já com algumas rugas e voz macia, descansada. Tratava-o como “seu Siló”. Era o modo como todos o chamavam e ele parecia gostar. Encontrava-o, sem erro, pela manhã, quase sempre imerso e ladeado por um par de amigos no Poço do Governador. Convocava-me ao grupo, alegando ser minha presença no Poço obrigatória para que ele iniciasse mais um causo.

Olha só, vô Silozinho! Era como os netos, divertindo-se nas piscinas próximas, invocavam sua atenção para as peripécias aquáticas.

Seu Siló não dispensava uma “piña colada”, especialmente preparada por Zé Rosa, garçom nota dez, no bar molhado da piscina das fontes. Copo grande, muito gelo picado, e um galhinho de hortelã para fazer a diferença. Mini quibes faziam o tira gosto tradicional. Difícil vê-lo tomando partido político por alguém ou falando mal dos outros. No máximo, uma nova anedota insinuante.

Aprendi muito com ele. Seus casos - quase sempre verdadeiros episódios – contemplavam, para disfarçar, nomes, sobrenomes e apelidos virtuais às personagens. Contudo, datas e locais conhecidos contribuíam à verossimilhança. Disse estar preparando um livro de narrativas com o título “A história que não pode ser contada...” e o subtítulo: “...Como ela é”. Não sei se foi publicado. Merecia!

E, com isso, justificou-se. “Ao longo de minha vida participei, observei e fiquei sabendo de muita coisa que, se chegasse ao conhecimento dos protagonistas, seria motivo até de morte, inclusive minha. Para a maioria, guardei e ainda guardo segredo sepulcral sobre os protagonistas. Mas não resisto a contar o enredo, mesmo tendo que colocar outros atores no palco. Procuro falar e escrever sobre o que vale a pena para distrair e fazer cócegas. Evito borrar a máscara social, injustamente plantada como ‘boa’ por muita gente”.

Com essa introdução passou a um novo causo.

Nice Ladeira, linda pianista, conhecedora de quase toda a obra de Chopin, nunca deixou o menor rastro tortuoso que pudesse macular sua impoluta imagem de beata, ministra da eucaristia, dedicada ao dízimo e às pastorais paroquiais. Os amigos e conhecidos rendiam-lhe homenagens e respeito por ser esposa fiel do Doutor Simeão Ladeira, respeitado juiz de direito, viúvo, duas décadas e meia mais velho que ela.

Numa tradicional festa de junina promovida pelo deputado Roberto Balestra - aniversariante na data de hoje, 24 de maio, segundo ele - em sua fazenda de Inhumas/GO, apareceu meio distante um jovem visitante, novato entre os convidados de sempre. Desacompanhado, “boa pinta”, dava ar de perdido no contexto.

Nice logo notou e colou olho no cidadão. Caprichou no serviço de uísque e licor de pequi ao esposo. O coitado juiz embriagava-se facilmente. Rapidinho, fora abatido pelo sono.

Assim que o magistrado cerrou seus olhos, Nice buscou o escurinho mais próximo do jovem visitante, atrás de um pé de acerola, e mandou “psius” até o rapaz se tocar, como chamado.

Por mais que o pé de acerola pudesse esconder, dava para ver – ou presumir o “rala e rola” dos dois que se seguiu por mais de meia hora. Na varanda do casarão, escornado sobre uma espreguiçadeira, o juiz dormia profundamente. Babava e roncava que dava dó.

Dona Nice emergiu do sanitário, arrumando a saia armada e rodada. Nem se deu conta de ter trazido nas costas da blusa pequenos gravetos e palhas de capim seco. Sentou-se ao lado do juiz roncador. Enxugou-lhe a baba e buscou um pequeno travesseiro para melhorar-lhe o conforto. Madrugada úmida e fria. Um xale jogado nos ombros ajudou-lhe a remover e camuflar os gravetos das costas. Voltou para casa dirigindo a camioneta. Ao lado seu embriagado esposo.

Dia seguinte, durante a limpeza da fazenda, uma empregada achou atrás do pé de acerola uma peça íntima, preta, de renda, com o emblema “NL” bordado. Comunicou, de ofício, o achado. Porém, guardou a peça para si, com base no princípio do “lavou, fica novo”. Ninguém acendeu a curiosidade para investigar sobre a dona ou a razão da perda.

O que quase complica – segundo o jardineiro da família - foram fragmentos de papel higiênico agarrados com incerta cola no banco do motorista, observados pelo juiz quando saia para buscar o pão.

Indagada, sem ar de suspeita, sobre aquilo, Nice prontamente disse ter enxugado o assento com o papel higiênico que usara para conter a coriza. Explicou que, na chegada à festa, o juiz esquecera aberta a janela do auto, facilitando a entrada de sereno.

Para a sociedade, amigos e confrades religiosos, Dona Nice Ladeira continua sendo uma respeitável senhora, dedicada e exemplar esposa. Puritana e pudica, é quem, nos encontros religiosos de casais, ministra ensinamentos de como manter o casamento com base na fidelidade conjugal.

Assim contou meu amigo Siló, esclarecendo que Nice e Doutor Simeão Ladeira são personagens fictícios. Mas, os fatos ocorreram. Provavelmente em outra festa.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 18/06/2018
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