QUANDO O BARATO SAI CARO**

Tinha tudo pra ser um belo dia de passeio e curtição no mar. Visita ao Arquipélago de Abrolhos, mergulho esportivo, fotos e êxtase com o fantástico balé de acasalamento das baleias Jubarte. Era um desejo antigo de Inês Farias, ecologista soteropolitana. Aproveitava sua viagem a Porto Seguro como participante de evento ambientalista para, numa esticada, realizar seus sonhos. Melhor, ainda: trouxera como companhia seu namorado Harvey Thorpe, americano, surfista de mundo a fora.

O programa planejado por Inês tem e sempre teve um custo “salgado”, quando dentro do protocolo. Em compensação, é cercado de formalizações e cuidados especiais de segurança se realizado pela base de Caravelas. Lá, o transporte de turistas em visita a Abrolhos é feito em embarcações seguras, com certo conforto, e formalmente autorizado pelo IBAMA. Legalmente, o prestador dos serviços é obrigado a oferecer, com profissionais treinados e experientes, apoio de comunicação, navegação segura e assistência aos “marinheiros e mergulhadores de primeira viagem”, inclusive para os desejosos de praticar mergulho esportivo.

Inobstante esses aspectos, o casal resolveu optar por serviços alternativos, obviamente bem mais econômicos. Sem formalidades, o serviço é geralmente prestado por barqueiros que se valem da experiência de pescador e de embarcações precárias, utilizadas regularmente como equipamento de pesca.

Informações obtidas na “prosa de esquina” levaram o jovem casal a Alcobaça, onde é grande a frota de barcos pesqueiros de pequeno porte e, não raro, oferecem-se passeios a Abrolhos. Pesquisando no cais do porto, acharam os filhos de seu Zenor, Rui César, João e Guinaldo Silveira, donos do barco “Bonfim”. Família com boa reputação na cidade e reconhecida experiência na arte de navegação marítima. Após lances de pechincha, chegaram ao preço de oito mil cruzados para o passeio de dois dias.

Coincidentemente, conheceram um grupo de cinco turistas mineiros que também buscava alternativa econômica para o mesmo programa. Acertaram-se. O preço da empreitada, agora diluído entre sete cabeças, foi “sopa no mel” para quem queria obter o máximo com o mínimo de custo.

Terça feira, quatro horas da madrugada do dia 23 de junho de 1987. O “Bonfim” já preparado: tambores de combustível, reservatórios de água potável, caixas de isopor com gelo, garrafas térmicas, fogareiro, utensílios de cozinha, mantimentos, colchonetes e duas bóias salva-vidas. A mais, alguns apetrechos para pesca, principalmente redes para captura de camarões. Os passageiros foram se aninhando com seus pertences pessoais, geralmente mochilas e pequenas almofadas.

Era pleno inverno, batia um suave, mas frio, vento sul. Só lá pelas seis horas livrar-se-iam da plena escuridão. Zarparam do porto fluvial, ao som “toc-toc” do nada silencioso motor. Em minutos atravessaram a Barra, estuário do Rio Itanhém. No horizonte, o sol emergente das águas parecia dar as boas vindas, mostrando-se disponível para abrilhantar o passeio. Dos três jovens tripulantes, dois se dispuseram a pescar camarões para compor um fresco tira-gosto a acompanhar as cores e os sabores da linda manhã que se iniciava sobre águas calmas.

Nas imediações do conhecido e temido “cemitérios de navios” - barreira de múltiplas aflorações coralíneas, a cerca de dez quilômetros do continente - foi feita uma providencial parada. O tempo mudara. O vento sul ganhava incrível força, o que obrigava, para efeito de segurança, ajuste na rota de contorno e escape dos corais. Enquanto se avaliavam as alternativas, o barco foi açoitado a estibordo por surpreendente onda com impressionantes força e altura.

O barco – tudo indica - com poço subterrâneo vazio e sobrecarga acima do convés, inclusive, com passageiros sobre a cabine, perdera muito de sua estabilidade. Emborcou imediatamente e fragmentou seu convés.

A situação tornou-se caótica e desesperadora com gente agarrando-se ao que flutuasse. Harvey, o surfista americano, relata ter conseguido alcançar sua mochila e dela sacar dois pares de “pés de pato”. Calçou-os e ajudou Inês a fazer o mesmo. Por conversas anteriores, os turistas mineiros reconheceram serem os dois os mais habilitados a nadar até a costa em busca de socorro.

E assim, Inês e Harvey nadaram por quatorze horas até – no limite da exaustão - chegarem à Barra de Caravelas, onde foram acolhidos e encaminhados a cuidados médicos.

Apesar das indicações do local do naufrágio, o mau tempo reinante na região prejudicou seriamente as buscas. Nada se conseguiu encontrar em dez dias continuados de trabalho. O máximo que se obteve como registro desse episódio, além dos depoimentos do casal, foi o resgate, passado um mês, de um fragmento do casco do barco na costa de Porto Seguro.

Essa ocorrência foi dada como fatalidade pelas autoridades, sem a indicação de culpados, sobrando como lição a reafirmação do dito popular: “o barato sai caro”!

** Baseado num caso verídico.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 21/06/2018
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