Belezas e encantos de São Francisco do Paraguaçu

O viajante que segue pela BA 420 – a que liga Santo Amaro a Cachoeira – e se depara com a entrada da BA 880 não imagina as belezas que a rodovia reserva ao longo dos seus 25 quilômetros. Ali se vê uma placa indicando três destinos: Opalma, logo adiante, a sete quilômetros; o distrito de Santiago do Iguape, a 20 quilômetros; e, no fim do percurso, a vila de São Francisco do Paraguaçu. As três comunidades integram o município de Cachoeira.

No trecho inicial nada promete uma paisagem exuberante: longas planícies desmatadas sinalizam que, por ali, já se plantou muita cana-de-açúcar. Hoje, não existem cultivos aparentes e ervas daninhas se multiplicam. O gado escasso consome o pasto exíguo, sob um sol implacável. As raras árvores daqueles ermos são insuficientes para afastar o calor rijo.

À medida que envereda pela BA 088, o viajante vai percebendo mudanças graduais na paisagem: para além da planície devastada, surgem morros recobertos pela Mata Atlântica, que se sucedem numa arredondada muralha vegetal. Nesse momento a rodovia reta e plana já cedeu lugar a curvas caprichosas e declives acentuados. A partir daí, o paraíso começa a se descortinar.

À direita dos viajantes surgem as primeiras florestas de palmáceas: centenas – possivelmente milhares – de dendezeiros imponentes sucedem-se; e incontáveis coqueiros sacudidos pelo vento que sopra da Baía de Todos os Santos; o vento e o reflexo da luz do sol sobre a vegetação pujante produzem uma sensação visual indescritível.

Lagamar e pescadores

Mais adiante, se vê o lagamar – as águas do Paraguaçu e da Baía de Todos os Santos condensadas – avançando sobre o continente. A posição do sol e das nuvens vai provocando efeitos mágicos: ora a água insinua-se cor de cobre; ora assume uma tonalidade esverdeada para, com o céu limpo, exibir-se azul, cristalina, diáfana.

Duas ou três ruas estreitas, calçadas e íngremes sinalizam para o viajante que ele chegou a São Francisco do Paraguaçu. Enveredando por uma delas, chega-se à praça São José, onde se veem idosas debruçadas nas janelas e moradores aproveitando as sombras sob as árvores. Ali, há biblioteca e serviço de som comunitário.

Quem envereda pelas ruas estreitas logo se depara com o lagamar. À distância, se veem canoas movidas a motor cortando as águas; às margens, pescadores dedicam-se às ocupações do ofício: consertam e recolhem redes, retiram os pequenos motores e movem suas canoas com perícia. Garotos diligentes auxiliam os adultos na empreitada.

Convento de Santo Antônio

No minúsculo porto da localidade o visitante trava o primeiro contato com o Convento de Santo Antônio. À distância, espanta pelo porte: a imensa construção que destoa da vila miúda, disputando atenções com a natureza exuberante do lagamar defronte.

Mas, aos poucos, o encanto se mistura a uma sensação de decepção. As fachadas se decompõem e, do salão do mar, imponente construção onde escravos eram confinados, resta pouco mais que as muralhas corroídas pelo tempo. A crosta de limo, que se acumula no alto das paredes, contrasta vivamente com o azul festivo do céu. Informações apontam que o convento se deteriora desde meados do século XIX.

Na igreja, pássaros fazem ninho no nicho da fachada; a erva daninha viceja no cimo; rachaduras vão se multiplicando e o piso se desintegra aos poucos; a relva se tornou mato ressequido. O sino verde, as portas altas e as janelas envidraçadas exibem uma tonalidade esbranquiçada. Ao menos, resta a pujança da natureza.

O silêncio só é quebrado pelo pio vivo dos pardais; os ventos varrem as nuvens, descortinando o céu azul, puríssimo; e hã o intermitente e mágico murmúrio das águas acinzentadas que vão acariciar as muralhas maciças. À direita do atracadouro, a vegetação recua formando um semicírculo quase perfeito, até se perder numa curva abrupta.

Comunidade

À esquerda do atracadouro, nativos bebem cerveja em barracas e crianças se divertem na prainha estreita. Uns poucos turistas soteropolitanos encomendam tira-gostos. Daquele trecho veem-se os coqueiros, onipresentes, que refletem vivamente a luz do sol. Há também reluzentes condensações de Mata Atlântica que comprimem a vila de pescadores contra o lagamar.

Eventuais turistas e, sobretudo, a atividade pesqueira, impulsionam a economia da comunidade. Pelas vielas estreitas que se arrojam morros acima é possível ver homens negros e pardos, de pele curtida, manuseando redes e apetrechos de pesca; grupos aproveitam a tarde de sábado conversando sob as amendoeiras vistosas; e mulheres se debruçam nas janelas, apreciando o dia que escorre manso.

São Francisco do Paraguaçu integra o circuito quilombola do fundo da Baía de Todos os Santos. Aquela região o colonizador português ocupou desde o século XVI, expulsando os indígenas e dedicando-se à produção de açúcar, movida pela mão de obra escrava. Apesar da contínua ação humana, ali a natureza ainda se conserva majestosa, exuberante.

É pena apenas que o Convento de Santo Antônio se decomponha, abandonado.