XXXV - A Família Inteira

O ânimo da Mochileira Tupiniquim para viagens é genético. Seu pai era viajante comercial, viajava por profissão e por gosto. Sua mãe, professora, mas também exímia contadora de histórias nem precisava viajar fisicamente, viajava também na fantasia, no romantismo do conhecimento. Unindo os dois... a Mochileira Tupiniquim herdou a sementinha da viajante aventureira desde pequeninha. E é uma memória lá dos seus 6 anos de idade que ela guarda com carinho pela praia do Cassino no Rio Grande do Sul, umas férias de verão com a família completa!

A convite de um casal amigo, os três mais a Adalgisa, cachorrinha de estimação foram para a casa de praia dos amigos. Eram duas casas e a do fundo do terreno ficou todinha para eles. Uma casa de madeira, verde claro, só o quarto e a cozinha, pois o banheiro era a típica casinha lá fora no quintal que abrigava um baita sapo que fazia companhia para os ocupantes. A luz era de velas. A água era de poço.

Tudo era novidade para a Mochileira mirim, a começar pelas instalações, já eram uma emoção super diferente. A praia do Cassino aumentou sua curiosidade com os molhes que adentravam o mar junto com os visitantes que por eles caminhavam ou seguiam no carrinho, uma aventura que ficou encravada para sempre em seu coração empolgado. Foi lá que ela viu uma moça que tinha um pé com seis dedos, discretamente (na visão da Mochileirinha) ela contava e recontava os dedos da moça e sempre eram seis. Sua mãe então lhe explicou que havia pessoas com diferenças pelo corpo. E ela seguiu vendo outros encantos como o barro medicinal, muito preto e meio gosmento que seu pai espalhava alegre pelo corpo inteiro de sua mãe e que por um bom tempo livrou-a de dores nos ossos... quanta magia! Na brincadeira, o pai não poupou nem a Mochileira, diversão daquelas. Sem falar nas conchas gigantescas que abundavam pela praia naquela época.

As manhãs na praia já eram maravilhosas, porém as tardes passadas com os amigos em casa, com roda de papo e chimarrão, cantorias em alemão com canções que a dona da casa ensinou pacientemente para ela até que ela as decorasse e saísse se esgoelando a cantar, azucrinando os ouvintes! Filha única, a Mochileira estava acostumada a conviver com adultos e apreciava muito o que aprendia com eles. Adorou ver a amiga fazendo o pão à noitinha, no forno do fogão à lenha, para que na manhã seguinte todos o saboreassem com misturas alemãs, nata e geleias de frutas também feitas em casa pela prendada anfitriã. Já com o dono da casa, a Mochileira tomou gosto por levantar cedo, lá pelas 5 da manhã para ver o sol nascer tomando um bom chimarrão, inesquecível.

Ela também jamais esqueceu as idas ao banheiro no fundo do quintal para visitar o Senhor Sapo que ficou na saudade após as férias. Nem as sonecas após o meio-dia que a faziam esperar com ansiedade pelos papos e atividades da tarde. Nem os momentos alegres que ela pôde passar com seu pai, raridades preciosas e muito valorizadas pela Mochileira que nestas férias não fazia ideia de que em questão de dois anos não mais o teria a seu lado. Somente em seu coração aventureiro, uma herança inestimável!