Carta ao Casal

Olá Casal,

Como estão as coisas por aí? Será que estão surpresos com a minha carta? De verdade, não consigo imaginar que reação terão ao ler.

Coloquei um som, pus a minha gata preta ao lado, abri meu peito e liguei um projetor antigo que tenho guardado. Rolos e rolos de filme tiveram que serem organizados, a fim de rodarem o retrospecto das cenas vividas por nós.

“Nós” é um termo tão bonito. Parece que o tempo e as coisas se organizam por meio de um “eu”. Nosso tempo e nosso aqui e agora, possuem como ponto de partida o “eu”. Quando afirmo que “nós” é uma palavra bela, primeiro pela sonoridade, depois pela homonímia com nós (amarras) e por último por fazer este “eu” agregar mais dos da mesma categoria dos que existem.

Quando estamos juntos aqui em casa, nós sorrimos, brincamos, bebemos e marcamos nossa existência na vida um do outro. Quando estamos juntos na casa de vocês, nós comemos, descobrimos novos sabores, novas culturas, novas afinidades.

Quando estão juntos no íntimo do seu lar, dois “eus” colidem, se fundem, se confundem, se firmam, são cúmplices. Cúmplices do dia e da noite, dos acertos e dos erros, da solidão e da companhia que um faz ao outro.

Talvez seria disso que teria que escrever, sobre como é o casal? São tão singulares, tão diferentes, pensar o “nós” (casal) para os de fora desta aliança, apesar do enorme esforço para compreender quem são, passará longe da realidade concreta.

Por que isto? Por que, para as pessoas que estão de fora entenderem o “nós” é quase impossível? E também, para quê o entendimento? Ouso pensar que a CUMPLICIDADE é a maior característica do casal.

Quando ela é presente, algo mágico acontece. Muros são construídos para protegê-los dos ataques cotidianos. Ao fazer-se cumplices, pontes são levantadas, um coração leva ao outro o que se precisa, transpassam a vida suspensa diversas vezes para diferentes situações.

Transpassam por socorro, percorrem a ponte para irem a jardins, a parques, a montes e vales. A cumplicidade é muro, é ponte, é também lar. Com ela, fazem uma oca. Simples, arcaica, circular. Bate os tambores e decidem os passos a ser tomados, tantos os que percorrem a ponte, quantos aos chutes que darão no muro.

Reduzindo as metáforas à escala zero, o que vejo e admiro é como um cuida do outro. Como querem o bem, a felicidade e a plenitude. Quando um quer, o outro compra. Quando um precisa, o outro socorre. Quando um erra, o outro perdoa. Quando um se fecha, o outro se abre.

Agora, é projetado aqui na parede do meu quarto cena de nós, cena de vocês. Ao som de Fagner, um aperto no coração faz eu sentir o quanto são especiais. Coincidentemente, a música que toca é Jura Secreta:

“Só uma palavra me devora

Aquela que meu coração não diz

Só o que me cega, o que me faz infeliz

É o brilho do olhar que eu não sofrí”

Resumo poético destes dois queridos. Na proporção que são diferentes, são cúmplices da ânsia de viver. Amo os dois, amo essa energia, amo o acesso e o inacessível até vocês. Inacessível dado por juras secretas e cúmplices de comunhão.

Beijo,

Quero vê-los em breve.

Com lágrima nos olhos,

Alguém que deveria se casar!