Eu não preciso mais de espelhos

Hoje quebrei meu espelho, indignado com a imagem nele refletida. Onde estão os traços de minha meninice que nem vi passar? E os da adolescência, porque não mais existem? Passei a não mais usar espelhos. Sempre que a eles recorria, fosse para uma avaliação visual ou para a confissão de um conflito existencial, eles se negavam a interagir. E quando, em alguns momentos eu me inflei de vaidade, ou usei subterfúgios para conquistar uma aparência artificial, eles se recusaram a aceitar. Os espelhos nem sempre me devolveram as imagens que eu gostaria de ver. Por quê? Deve ser porque eles não têm o condão de parar os ponteiros do relógio. Devem ter firmado um contrato de fidelidade com o tempo, tempo esse que nos faz “monstros” e ele não consegue maquiar. Tempo esse que nos deforma e ele não consegue nos restaurar. Tempo que nos devora e eles não conseguem estancar o processo cruel, doloroso e inevitável da mutação da matéria, ao contrario do espírito que prescinde de reflexão.

Os homens primitivos tinham medo dos espelhos porque temiam que suas almas ficassem presas ou fossem roubadas e Narciso morreu porque se apaixonou pela própria imagem. Eu não temo por uma coisa nem por outra. Eu os temo porque eles são frios. As vezes carrascos, algozes. Não são conselheiros, não retocam nossos egos, nem se propõem a esconder o que muitas vezes queremos disfarçar. Os espelhos nunca guardam segredos, o máximo que conseguem é aceitar simulações para que decidamos qual a melhor configuração que queremos esnobar. Os espelhos são enigmáticos e não assumem compromissos para refletir silhuetas de como queremos ser. São estáticos, imemoriais e por isso, incapazes de resgatar imagens daquela beleza exuberante que ficou lá no passado e que queríamos eternizar. Os espelhos não mentem, não são subservientes e nem foram feitos para agradar ou bajular quem tenta ser o que não é e vice-versa.

Não quero mais saber de espelhos, por autoestima e por amor próprio, mesmo ciente que com eles ou sem eles, a vida segue indiferente numa metamorfose inexorável. Reluto em aceitar que envelheci, pois como bem definiu o escritor goiano, Jeocaz Lee-Meddi, “ A velhice não está nas rugas que o espelho nos mostra, mas na alma que precisa do espelho para ser feliz”. Eu não preciso mais de espelhos e você?

Adenildo Aquino
Enviado por Adenildo Aquino em 27/06/2018
Código do texto: T6375434
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.