DE FÉRIAS COM CHICO

Dá saudade lembrar dos tempos em que eu e Chico Nilo, meu irmão, programávamos nossas férias para o mesmo destino, fosse n’alguma praia nordestina, na Pousada do Rio Quente ou noutro lugar. Além da família, levávamos um bom estoque de uísque, objetos e gêneros alimentícios que temíamos faltar na hora “H”.

Quando não ficávamos em hotel, alugávamos casa que comportasse todos. De quatro dormitórios ou, no mínimo, três com bom espaço na sala. Nova Viçosa e Alcobaça, no extremo sul da Bahia; praia de Boa Viagem, em Recife; Jatiúca, em Maceió etc. Geralmente, gastávamos dois dias no deslocamento de carro, a partir de Brasília. Éramos tomados de tamanha alegria que nem víamos o tempo, nem a estrada ficarem para trás. Sabíamos desvalorizar e esquecer rapidinho os contratempos e louvar os bons ventos. Fazíamos momentos de alegria a cada parada para abastecimento e lanche na estrada. O pernoite, então, parecia um evento festivo. Sempre agradecíamos e brindávamos com uísque ou boa cachaça o jantar, fosse ele o mais simples.

Férias no Recife tinha um prazer diferente. No Largo de Boa Viagem, aos domingos, ocorria um espetáculo ímpar de fraternidade e desacanhamento. Aquela praça se convertia em palco de interessante manifestação folclórica coletiva. Cantavam-se e dançavam-se cirandas. Desconhecidos de mãos dadas em franca demonstração de fraternidade. Às vezes, formando uma grande roda ou, mais comumente, várias pequenas rodas. Muitas mulheres em vestidos de babados lembravam festas juninas em pleno verão.

No Extremo Sul da Bahia, a viagem tinha cheiro de família, dada a grande quantidade de parentes e amigos de infância que víamos desde Teófilo Otoni/MG até Alcobaça/BA. Era uma alegre e marcante oportunidade que nos levava ao agradável convívio familiar. Repetíamos esse percurso com grande frequência. Tornou-se rotina para nós – eu e os manos Rômulo e Chico. Talvez porque sentíssemos ainda fraternos embriões dentro do mesmo útero. Bastava algum tempo sem esse programa para reclamarmos a ausência um do outro.

Durante o percurso, nunca nos faltava motivo nem inspiração para um breve “causo”, uma anedota, uma lembrança lapidar. Sonhávamos com o porvir, sempre promissor. Na verdade, não dávamos espaço à tristeza.

Voltemos às férias com a família. Na praia, muitas vezes, o picolé de mangaba, pitanga ou de sapoti era insumo para uma inédita e deliciosa batida com vodca. Debaixo dos guarda-sóis, inventávamos de tudo para puxar graça. Ficávamos a desenhar virtualmente: idade, profissão, ocupação etc. dos caminhantes na praia. Valia pilhéria e adivinhação:

- Aquele tem cara de tabelião!

Cabia contestação:

- Não, parece fazendeiro criador de porcos “white large”! Veja como ele é gordo, branco e focinhudo.

- Aquele outro ali da terceira idade. Disse à esposa que viajaria a trabalho, mas está curtindo praia com a secretária. Comprou sunga no tamanho menor que sua barriga. Vai descartá-la para não dar bandeira no retorno ao lar!

- E a moça do lenço estampado amarrado no chapéu? Como gosta de comprar! Ela pára todo vendedor de bijuterias, óculos escuros e roupas de praia. Claro, a grana não sai do bolso dela...

Não nos avexávamos para comer. Quando conseguíamos contratar empregada, já saíamos para praia com o cardápio do almoço definido. Fora isso, fazíamos as escolhas dos pratos previamente, para evitar perda de tempo no restaurante. A não ser em churrascaria.

À tardinha, costumávamos dar um rolé pela orla. Tomar chope com salgadinhos. Antes de nos recolher à cama, proseávamos com as crianças, fazendo e matando charadas silábicas, enquanto as madames assistiam a novelas. Às vezes rolava sopa com torradas, para desgosto da garotada. Outra distração para os adultos, principalmente durante noites de chuva, era jogar “buraco”. As crianças também se distraiam com jogos de cartas mais simples, como “burro”, “mata-mata”, “paciência” etc.

Diversificávamos as praias, a cada dia, para conhecer novas paisagens.

Em Alcobaça, contávamos ainda com a companhia dos manos Rômulo e Oldemar, além de muitos sobrinhos e primos. Não raro organizávamos caranguejada ou churrascada na casa de Rômulo que durava quase a tarde inteira. Parecia uma grande reunião de família.

Passamos por muitas coisas na vida que ficaram como lembrança em nossa memória. Coisas que valem a pena ser resgatadas quando o sol se põe no ocidente e a lua emerge no oriente. Coisas que nos dão certeza de sermos abençoados pelo dom da vida e pela alegria de viver.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 30/06/2018
Código do texto: T6378277
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