CHOCA E CAPI

Dupla que se tornou inesquecível para quem viveu infância e adolescência em Oliveira/MG, na segunda metade da década de 50. Os mais velhos diziam que nasceram fêmeas por erro. Se viessem ao mundo como meninos seriam mais bem compreendidas.

O fato de andarem sempre juntas não impedia que, de vez em quando, uma estranhasse a outra. Conta-se que as duas trocaram cusparadas na cara, mas nunca chegaram à agressão física. O quebra-pau e o rola-na-poeira ficavam reservados para confrontos com os outros, sem distinção de gênero. Não enjeitavam a briga com socos, pontapés, puxões de cabelo, mordidas, dedo no olho e tudo mais. Podia vir um, dois ou turminha. Choca e Capi não se acovardavam.

As brigas geralmente começavam quando chamavam a dupla de “marideiras”, insinuando ser uma “marida” da outra. Ou, ainda, fofoqueiras, línguas compridas etc. Outro ponto fraco era acusá-las de ladras de quintal alheio. Isso porque foram flagradas furtando laranjas no sítio de seu Olegário. E por aí.

Choca morava na Rua Coronel João Alves, em frente a uma casa de cata e seleção de cafés. Capi morava nas proximidades do Colégio Estadual, na Rua Chiquinho Campos.

Meninas mal afamadas na cidade! Até padre Rolim, em suas homilias dominicais, falava delas, como exemplo de crianças malcriadas. Um dia exacerbou em sua peroração e as chamou de endiabradas. Para quê! Domingo seguinte, fizeram pipocar meia dúzia de bombinhas em pleno transcurso da missa. O pai de Choca e a mãe (viúva) de Capi foram chamados às falas na igreja. Isso só piorou as relações entre a dupla e o vigário.

Certo domingo, na missa das dez, na Igreja Matriz de Nossa Senhora de Oliveira, padre Rolim conduzia a celebração, no formato tridentino, – em latim e de costas para os fiéis – mirando apenas o altar. À direita do altar, uma grande janela, aberta para ventilação, dava vista para o pomar da casa paroquial. Estava prestes ao momento da consagração. Todos os presentes silenciosos e contritos. Pela janela, viu Capi, escalando seu mamoeiro, pisada no ombro de Choca. Pronta para surrupiar um belo mamão já amarelo, no ponto de colheita. Era a fruta reservada por Padre Rolim para seu desjejum, naquele domingo, após a missa. Não se agüentou, projetou-se na janela e bradou um monte de palavrão para as ousadas invasoras.

Voltou-se para a assembléia de fiéis, pediu desculpas e, com dificuldades, prosseguiu o ofício. As meninas também só deram um tempo. Assim que o padre virou as costas, colheram o mamão. Padre Rolim não se conteve à ira. Pegou o bambu de acender e apagar as velas altas e saiu com estola e tudo a fim de aplicar uma surra de vara nas molecas. Debalde, a dupla já pulara o muro, carregando o mamão como troféu e às gargalhadas.

Nunca mais o vigário incluiu Choca nem Capi em seus sermões.

Apesar de colecionar mais desafetos que amigos, havia quem gostasse da dupla. A maioria – claro - torcia por seus infortúnios. Um declarado desafeto (inimigo, na verdade) dessas meninas era Tatão, colega de classe das duas, no Colégio Estadual. Tatão, um par de anos mais velho, fazia o tipo alto e musculoso. Aceitava e levava adiante o confronto com elas. E mais: sempre que podia, armava alguma contra elas e desmanchava outras. Não perdia a oportunidade de, disfarçadamente na multidão, lhes aplicar solenes cascudos, principalmente em Choca, a quem preferia endereçar sua ojeriza. Recebia algumas pedradas – à traição - como resposta.

No cinema e em qualquer circo que fosse montado em Oliveira, Choca e Capi conseguiam burlar os seguranças e não pagar ingresso. Entravam por debaixo da lona, no vácuo dos artistas, do pessoal de apoio etc.

Foi numa matinê dominical do Circo Garcia, que Tatão viu as duas aboletadas, como princesas, num camarote, bem defronte ao picadeiro. Tomou a oportunidade para vingar-se de uma pedrada na cabeça, ainda por cicatrizar, recebida da dupla. Dedurou Choca e Capi aos seguranças (na época, chamávamos essa gente de “mata-cachorro”) do circo. A dupla foi vergonhosamente colocada para fora, aos puxões de orelhas e gemidos de ai- ai-ai e ui-ui-ui.

Não ficou barato para o circo. Numa lotada sessão noturna de sábado, as duas estavam lá. Era a apresentação do número dos cavalos árabes adestrados. Cinco belos equinos rodopiando no picadeiro, sob o comando de uma reluzente domadora que exibia difíceis acrobacias no lombo dos animais em movimento. Holofotes concentrados no espetáculo. Choca e Capi aproveitaram a penumbra na platéia. Aproximaram-se do picadeiro e lá soltaram dois maços de bombinhas das mais fortes.

Para não falar da queda hilariante da domadora, foi cavalo para todo lado. Animais defecando e urinando sobre circunspectos senhores de gravata e madames em vestido comprido. Pavor geral. Mas, tirando alguns arranhões e muita roupa borrada, nada de mais grave ocorreu, a não ser pela transferência do espetáculo para o dia seguinte, com entrada franca a todos.

Esclareça-se, por oportuno, que elas sabiam como juntar os pavios para fazer explodir várias bombas ao mesmo tempo.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 30/06/2018
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