BOLINHAS DE GUDE

Eu era garoto e amava aquelas bolinhas de vidro transparentes, lindas e multicoloridas. Meu Tio Gustavo me dera uma caixa de sapatos cheia delas no meu aniversário de 7 anos. As tais “Paulistinhas” tinham em seu interior uma espécie de folha tridimensional com 3 ou quatro cores, outras vinham sem transparência mas com listas vermelhas, azuis, amarelas e brancas.

A molecada se matava por elas no jogo de embocar. O jogo de embocar era assim: fazíamos 6 buracos na terra (acreditem, ainda era possível brincar na terra!), dispostos em “L” e usando tampinhas de garrafas. Girávamos a tampinha em seu eixo no chão, cavando até formatar uma pequena cova que serviria pra “embocar” as bolinhas de gude lançadas pelos jogadores.

O competidor acomodava uma bolinha entre os dedos médio e polegar, e com a ponta do indicador a estabilizava. Nisso, o polegar meio escondido sob o dedo médio, catapultava a bolinha apoiada no indicador. Esta bolinha tinha como destino o próximo buraco no chão.

Caso embocasse, o jogador seguiria até acertar o sexto buraco, depois mirava nas bolinhas do interior de um círculo desenhado no chão logo à frente tentando acertar o maior número possível de bolinhas numa única tacada. As bolinhas atingidas que escapassem do círculo seriam o seu prêmio.

Bolinhas de gude para um garoto moderno seria algo incompreensível, certamente não saberia o que fazer com elas. Sua diversão consiste em Games e brincadeiras virtuais on-line. Poucas tomam sol, não trepam em árvores, quase não andam nem saltam. Possuem formação física mirrada e a infância resume-se ao espaço diante da tela do computador. A natureza para elas é algo desconhecido.

Em minha época de criança, tudo que nos rodeava virava uma nova brincadeira. Papai era pedreiro e toda vez que o caminhão trazia areia para a casa que estava construindo, lá íamos eu e meus amigos para desfrutar dela, construindo estradas e túneis utilizando colheres e paus.

Nossos brinquedos eram feitos com restos de materiais da obra e nem por isso éramos menos felizes. Certo dia tomei um susto daqueles, a areia trazida para meu pai vinha de uma região de alagados e num dado momento, de dentro de um dos túneis que eu havia construído na areia, surgiu uma apavorante cobra. Berramos como doidos de susto.

Pouco depois, nos informaram tratar-se de uma inofensiva cobra-d’água. A mesma “sorte” tiveram algumas meninas que passavam próximo desse monte de areia. Bem diante delas saltaram duas pererecas. Estão correndo até hoje pelo susto que tomaram.

Bem, não quero radicalizar, afinal, algumas crianças atualmente brincam com skates em playgrounds de prédios e até arriscam pedalar suas bikes pelas ruas de alguns bairros. O problema maior desse grupo não é o susto com as cobras d’água nem as pererecas, mas o risco de assaltos, sequestros relâmpagos e demais temores da vida urbana moderna.

Os muros baixos das casas cederam espaço às grades, e as moradias viraram prisões. A violência atemoriza as famílias, transformando nossas crianças em criaturas melindrosas, reféns do medo. Sabem o que eu faria se tivesse algum poder? Criaria uma máquina do tempo para transportar nossas crianças para a época da minha infância, cujas brincadeiras eram simples mas muito divertidas.