A dor de amar

A breve troca de figurinhas durante o café da tarde gerou a reflexão que vai aqui sem qualquer pretensão. Conta o amigo da decrepitude do pai, de um crescente visível e inexorável, e enquanto ele fala eu penso nas leis da natureza, nas quais não se acham as famosas brechas comuns nessa enxurrada de leis que estão por aí prendendo e desprendendo indivíduos ao sabor do poder econômico ou político de cada um. Viole a lei da gravidade e chame pelo seu advogado. Veja o que ele pode fazer.

Digressões à parte, eu via nas expressões do amigo a dor. Essa coisa que é a única prova real da existência dessa incógnita a que chamam de amor. Dói, gente! O amor dói. E se você não sofre pelo seu pai decrépito, pela esposa ou marido que envelheceu junto de você, enfrentando as procelas inevitáveis da vida. Pelo filho que saiu de casa para enfrentar o seu destino, ou pelo que continua debaixo de suas asas por falta de coragem. Então é porque o seu amor não é lá essas coisas. Porque amar dói, sim senhor.

Lembrei a ele que a Natureza (leia-se Deus – nota para quem, como eu, o aceita, na forma como quer que o conceba) nos criou assim, totalmente dependentes dos outros seres humanos até certa idade, depois, parcialmente dependentes numa certa fase de idade em que acontece do indivíduo se ver como a coroa da criação. Autossuficiente. Coitado! Acontece com todos. Depois o tempo se encarrega de quebrar-lhe a cerviz, vergar-lhe o espinhaço, de tornar-lhe outra vez dependente, em graus ascendentes de dependência, até que volte ao pó, de onde saiu um dia.

Ocorre-me, e narro isso em lágrimas àquele amigo, que na minha juventude quanto já casado e com filhos pequenos, família dependente, orgulhoso de conduzir com mão firme aquele pequeno clã, tive a cerviz quebrada por uma enfermidade, felizmente de pequena proporção e de fácil recuperação, mas que me levou ao hospital por alguns dias. Na volta para casa, o carinho da mulher e das crianças me causou tal desmoronamento emocional que não pude conter as lágrimas. Mas o ápice da emoção foi quando recebi a visita de um amigo, que esteve à beira do meu leito, sem ter o que dizer. Expulso do quarto pelo silêncio ominoso que marca presença nesses instantes, na saída procurou minha esposa – ela me contou depois – e disse que o procurasse se tivéssemos alguma necessidade financeira, que ele cuidaria de nós todos até que eu me restabelecesse.

Nunca precisamos. Em poucos dias eu estava de volta ao trabalho. Mas o gesto daquele amigo me marcou tão fundamente que me tornei um seu devedor perene. A gratidão é um sentimento bom de guardar no coração. Por isso, nessa tarde conversando com esse outro amigo durante o café, sou tomado de novo pela emoção. Não contenho as lágrimas. “Por que não escreve sobre isso?” Ele diz.

É! Por que não?

Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 04/07/2018
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